27 dezembro 2005

O darwinismo refuta completamente o desenho inteligente


O desenho inteligente está mais uma vez sendo manchete nos Estados Unidos. Mas qual é a atração exercida por essa teoria? Daniel Dennett falou à Der Spiegel sobre a atração exercida pelo criacionismo, sobre como a própria religião sucumbe às idéias darwinianas, e sobre a irresponsabilidade social da direita religiosa nos Estados Unidos.Daniel Dennett é considerado um dos defensores mais vigorosos do darwinismo. Em vários livros, o professor de filosofia da Universidade Tufts, em Massachusetts, descreveu os humanos, e a alma e a cultura humana, como sendo produtos naturais do caldo primordial.No seu novo livro, "Breaking the Spell" (algo como, "Quebrando o Encanto"), que será publicado pela editora nova-iorquina Viking em fevereiro de 2006, Dennett, 63, explica --segundo a ótica da evolução-- por que os religiosos radicais têm tanto sucesso.Leia a seguir a entrevista exclusiva concedida pelo filósofo:Der Spiegel - Professor Dennett, mais de 120 milhões de norte-americanos acreditam que Adão foi criado por Deus há dez mil anos, a partir do barro, e que Eva foi feita com a costela do seu companheiro. Você conhece pessoalmente algum desses 120 milhões de indivíduos?Daniel Dennett - Sim. Mas os criacionistas geralmente não se interessam em falar sobre isso. Aqueles que são realmente entusiasmados pelo desenho inteligente, no entanto, falam sobre o assunto incansavelmente. E o que eu aprendi é que eles estão repletos de desinformações. Mas eles encontraram essas desinformações em fontes muito plausíveis. Não é apenas o pastor que lhes ensina essas coisas. Eles compram livros que são publicados por editoras famosas. Ou acessam sites da Internet e vêem propagandas bem elaboradas, publicadas pelo Discovery Institute, em Seattle, que é financiado pela direita religiosa.Spiegel - No centro do debate está a idéia da evolução. Por que é que a evolução parece provocar muito mais oposição do que qualquer outra teoria científica, como o Big Bang e a mecânica quântica?Dennett - Creio que é porque a evolução conduz ao cerne da descoberta mais perturbadora da ciência nas últimas centenas de anos. Ela contesta uma das idéias mais antigas que possuímos, talvez mais antiga até que a nossa espécie. Spiegel - Que idéia exatamente é essa?Dennett - É a idéia de que é necessário algo de grandioso, especial e inteligente para a criação de uma coisa menor. Eu chamo isso de teoria da ordem descendente da criação. Ninguém jamais verá uma lança fazendo um fabricador de lanças. Tampouco verá uma ferradura criando um ferreiro. Nem um vaso de cerâmica gerando um ceramista. As coisas ocorrem sempre na ordem inversa, e isto é tão óbvio que simplesmente parece ser uma lei universal.Spiegel - Você acredita que essa idéia já estava presente entre os macacos?Dennett - Talvez entre o Homo habilis, o "faz-tudo", que começou a fabricar instrumentos de pedra cerca de dois milhões de anos atrás. Eles tinham a sensação de serem mais perfeitos do que os seus artefatos. Assim, a idéia de um criador que é mais perfeito do que as coisas que cria é, acredito eu, uma idéia profundamente intuitiva. É exatamente a esta idéia que os defensores do desenho inteligente se referem quando perguntam: "Você alguma vez já viu uma construção sem construtores, ou uma pintura sem um pintor?". Esse raciocínio é algo que captura esta idéia profundamente intuitiva de que jamais se obtém um desenho gratuitamente. Spiegel - É um argumento teológico antigo...Dennett - ...que Darwin refuta completamente com a sua teoria da seleção natural. E ele demonstra que não. Não só é possível que se obtenham desenhos a partir de coisas não desenhadas, como também pode haver a evolução de desenhistas a partir dessas categorias não desenhadas. No final temos escritores, poetas, artistas, engenheiros e outros projetistas de coisas, outros criadores --que são frutos bastante recentes da árvore da vida. E isso desafia a idéia popular de que a vida possui um sentido.Spiegel - Até mesmo o espírito dos humanos --a sua alma-- é produzida desta forma?Dennett - Sim. Como uma forma de vida multicelular e móvel, nós precisamos de uma mente, já que temos que perceber para onde estamos indo. Necessitamos de um sistema nervoso capaz de extrair rapidamente informações do mundo, de refinar essas informações e de fazer uso delas com presteza a fim de que elas guiem o nosso comportamento. O problema básico de todo animal é identificar aquilo de que necessitam, evitar tudo o que possa feri-los, e agir dessa forma mais rapidamente do que os elementos antagônicos. Darwin compreendeu esta lei, e entendeu que este desenvolvimento vinha ocorrendo havia centenas de milhões de anos, produzindo ainda mais mentes andróides.Spiegel - Mas, mesmo assim, algo fora do comum ocorreu quando os humanos surgiram.Dennett - De fato. Os humanos descobriram a linguagem --uma aceleração explosiva dos poderes das mentes. Porque a partir disso foi possível aprender não apenas a partir da própria experiência do indivíduo, mas também de forma indireta, com base na experiência de outros. Aprender com pessoas que o indivíduo jamais conheceu. Com ancestrais mortos há muito tempo. E a própria cultura humana se transformou em uma força evolucionária profunda. É isto o que nos confere um horizonte epistemológico que é muitíssimo mais vasto do que o de qualquer outra espécie.Somos a única espécie cujos indivíduos sabem quem são, que sabem que evoluíram. As nossas músicas, nossa arte, nossos livros e nossas crenças religiosas são, todos eles, em última instância, um produto dos algoritmos evolucionários. Alguns acham esse fato fascinante. Outros o acham deprimente.Spiegel - Em nenhum local a evolução se torna mais evidente do que no código do DNA. Não obstante, aqueles que crêem no desenho inteligente enxergam menos problemas no código do DNA do que nas idéias de Darwin. Por que isso?Dennett - Eu não sei, já que a mim parece que a melhor evidência que temos da veracidade da teoria de Darwin é aquela que surge a cada dia da bioinformática, do entendimento do código do DNA. Os críticos do darwinismo simplesmente não querem encarar o fato de que moléculas, enzimas e proteínas conduziram ao pensamento. Sim, nós possuímos uma alma, mas ela é composta de vários robôs minúsculos.Spiegel - Você não acha que seja possível deixar a vida a cargo dos biólogos, mas permitir que a religião se encarregue da questão da alma? Dennett - Era isso que o papa João Paulo 2º exigia quando baixou a sua muito citada encíclica, na qual afirma que a evolução é um fato, frisando, entretanto: exceto com respeito à questão da alma humana. Isso pode ter deixado algumas pessoas satisfeitas, mas é algo simplesmente falso. Seria tão falso como afirmar: os nossos corpos são feitos de material biológico, exceto, é claro, o pâncreas. O cérebro não é um tecido mais maravilhoso do que os pulmões ou o fígado. É apenas um tecido. Spiegel - As idéias de Darwin foram utilizadas de forma errônea por racistas e eugenistas. Seria este também um dos motivos pelo qual o darwinismo é tão vigorosamente atacado?Dennett - Sim. Creio que a forma mais gentil de explicar isso é dizendo que a idéia darwiniana é muito simples --dá para explicá-la a alguém em um minuto. Mas, por este mesmo motivo, ela é também extremamente vulnerável a caricaturas e usos indevidos. Eu ensino aos meus alunos de forma muito paciente as bases da teoria evolucionária, e depois tenho que retornar ao tópico e esclarecer os maus entendidos, já que eles se entusiasmam demais com a teoria e acabam tendo idéias errôneas.O darwinismo é um doce para a mente. Ele é delicioso. Mas o fato é que o excesso de doces pode nos distrair, fazendo com que deixemos de nos concentrar na verdade. E isso pode ser utilizado por indivíduos racistas ou sexistas. Portanto, temos que praticar constantemente uma espécie de higiene intelectual. Spiegel - Parece que tudo --incluindo o adultério, o estupro e o assassinato-- está sendo atualmente analisado à luz da teoria da evolução. Como é que se separa a pesquisa séria das bobagens?Dennett - É necessário que sejamos coletores meticulosos dos fatos relevantes. E temos que organizar esses fatos de tal maneira que contemos com uma hipótese testável, que possa ser realmente confirmada ou rejeitada. Foi isso o que Darwin fez.Spiegel - O seu colega Michael Ruse o acusou de ter saído do campo da ciência, e ingressado no da ciência social e da religião com as suas teorias. Ele chegou até a afirmar que, ao proceder dessa forma, você estaria inadvertidamente ajudando o movimento que defende o desenho inteligente.Dennett - Michael está apenas tentando dar às implicações das descobertas de Darwin um enfoque suave, e assegurar às pessoas que não existe tanto conflito assim entre o ponto de vista da biologia evolucionária e as formas tradicionais de pensamento. Spiegel - E quanto às acusações de que você estaria ajudando a teoria do desenho inteligente?Dennett - Provavelmente existe um elemento de verdade nisto. Eu acabei de escrever um livro no qual olho para a religião por meio do prisma da biologia evolucionária. Creio que podemos, devemos, e até mesmo que temos que seguir essa rota. Outros dizem que não. Que devemos no manter afastados de certas áreas. Que não se pode permitir que a teoria da evolução chegue perto das ciências sociais. Creio que este é um conselho terrível. A idéia de que devemos proteger as ciências sociais e a humanidade do pensamento evolucionário é uma receita para o desastre. Spiegel - Por quê?Resposta - Eu daria a Darwin a medalha de ouro pela melhor idéia que alguém já teve. Ela unifica o mundo dos significados, dos objetivos, das metas e da liberdade com o mundo da ciência, com o mundo das ciências físicas. Quero dizer, nós falamos sobre a grande lacuna entre a ciência social e a ciência natural. O que preenche esta lacuna? Darwin, ao nos mostrar como objetivo, desenho e sentido podem surgir da falta de sentido algum, a partir da simples matéria bruta.Spiegel - O darwinismo está em ação todas as vezes que algo de novo é criado? Até mesmo durante a criação do universo, por exemplo?Dennett - É pelo menos interessante constatar que idéias quase-darwinianas ou pseudodarwinianas também são populares na física. Eles postulam uma enorme diversidade a partir da qual houve, em um certo sentido, uma seleção. O resultado é que nós estamos aqui, e isto é apenas uma pequena parte desta grande diversidade que presenciamos. Essa não é a idéia darwiniana, mas é uma idéia aparentada. O filósofo Friedrich Nietzsche teve a idéia --eu arriscaria dizer que ele talvez tenha se inspirado em Darwin-- do eterno retorno: a idéia de que todas as possibilidades são concretizadas, e que, se o tempo é infinito, e a matéria também é infinita, então todas as permutações serão realizadas, não uma só vez, mas um trilhão de vezes.Spiegel - Uma outra idéia de Nietzsche é a de que Deus está morto. Essa é também uma conclusão lógica a que chega o darwinismo?Dennett - É uma conseqüência muito nítida. O argumento em favor do desenho inteligente, creio eu, sempre foi o melhor argumento em favor da existência de Deus. E quando Darwin surge, puxa o tapete sobre o qual esta idéia se sustenta. Spiegel - Em outras palavras, a evolução não deixa espaço para Deus?Dennett - É preciso que se entenda que o papel de Deus foi diminuindo no decorrer dos éons. Primeiramente tínhamos Deus, como você disse, fazendo Adão e todas as criaturas com as próprias mãos, arrancando a costela de Adão e fazendo Eva a partir dessa costela.A seguir trocamos esse Deus pelo Deus que coloca a evolução em movimento. E depois dizemos que sequer precisamos deste Deus --o decretador da lei--, já que se levarmos as idéias da cosmologia a sério, concluímos que existem outros locais, e outras leis, e que a vida surge onde pode surgir. Então, agora não temos mais o Deus criador descobridor de leis, nem o Deus decretador de leis, mas apenas o Deus mestre-de-cerimônias. E quando Deus é o mestre-de-cerimônias e, na verdade, não desempenha mais papel algum no universo, ele ficou diminuído, e não interfere mais de forma alguma.Spiegel - Então, como é que tantos cientistas naturais são religiosos? Como é que eles harmonizam tal postura com o trabalho?Dennett - Eles harmonizam essa postura com o trabalho porque não analisam atentamente como se dá esta harmonia. É um truque que todos nós podemos fazer. Temos as nossas maneiras de compartimentar as nossas vidas, de forma que confrontemos as contradições com a menor freqüência possível.Spiegel - Mas essa compartimentação também possui um lado positivo: a ciência natural fala sobre a vida, enquanto a religião lida com o sentido da vida.Dennett - Tudo bem. Um limite. Mas o problema é que esse limite se move. E, à medida que se move, a descrição do trabalho de Deus encolhe. Eu, também, me quedo maravilhado com o universo. Ele é maravilhoso. Eu estou tremendamente feliz por estar aqui. Creio que é um grande lugar, apesar de todas as suas falhas. Adoro estar vivo. O problema é: não há ninguém a quem ser grato por isso. Não existe ninguém a quem expressar a minha gratidão.Spiegel - Mas a religião com certeza nos confere padrões morais e nos fornece diretrizes sobre como nos comportarmos.Dennett - Se a religião fizesse tal coisa, eu não acharia que ela fosse uma idéia tão tola. Mas não é isso o que ela faz. Na melhor das hipóteses, as religiões funcionam como excelentes organizadores sociais. Elas fazem do trabalho moral em equipe uma força bem mais eficiente do que ele seria em outras circunstâncias. No entanto, isto é uma faca de dois gumes. Isso porque o trabalho moral em equipe depende, em grande parte, de que você abra mão do seu próprio juízo moral em favor da autoridade do grupo. E, como sabemos, isso pode ser algo extremamente perigoso.Spiegel - Mas a religião ainda nos ajuda a estabelecer padrões morais.Dennett - Mas, dessa forma, nós não seríamos moralmente bons apenas para que fôssemos recompensados no céu? Ou seja, Deus nos pune pelos nossos pecados e nos recompensa pelo nosso bom comportamento? Eu acho que essa idéia faz de Deus algo como um protetor arrogante e ameaçador. Ela é ofensiva, já que sugere que esse é o único motivo pelo qual as pessoas agem de forma moralmente louvável. Por exemplo, será que nós só nos comportaríamos bem para conseguirmos 76 virgens no paraíso? Essa é uma idéia que seria ridicularizada por muita gente no Ocidente.Spiegel - Então, por que é que praticamente todas as culturas possuem religiões?Dennett - Creio que a resposta a esta pergunta é parcialmente histórica, no sentido de que as tradições que sobrevivem desenvolvem adaptações para sobreviverem. Assim, as próprias religiões são fenômenos culturais extremamente bem projetados que evoluíram para sobreviver.Spiegel - Como uma espécie biológica.Dennett - Exatamente. O projeto de uma religião é completamente inconsciente, exatamente da mesma forma como o projeto dos animais e plantas é completamente inconsciente. Spiegel - As religiões bem-sucedidas possuem traços em comum?Dennett - Todas elas precisam possuir características que prolonguem a sua própria identidade --e muitas dessas características são na verdade interessantemente similares àquilo que encontramos também na biologia.Spiegel - Você poderia dar um exemplo?Dennett - Muitas religiões tiveram início antes que houvesse escrita. Como é que se obtém preservação de alta-fidelidade de textos antes que existam textos? Os cantos e recitações grupais são mecanismos eficientes para a manutenção e a disseminação de informações. E temos também outras características, como a necessidade de garantir que alguns aspectos da religião sejam realmente incompreensíveis.Spiegel - Por quê?Dennett - Porque assim as pessoas têm que cair na memorização rotineira. A própria idéia da eucaristia é um exemplo adorável: a idéia de que o pão é o símbolo do corpo de Cristo, e de que o vinho é o símbolo do sangue de cristo, não é suficientemente empolgante. É necessário que a idéia se torne estritamente incompreensível. O pão é Cristo, e o vinho é o seu sangue. Só então a idéia atrairá a atenção dos seguidores. Depois disso ela vencerá na competição com outras idéias mais entediantes, simplesmente porque o fiel não consegue deixar de pensar nela. É algo semelhante ao que ocorre quando temos uma dor de dente, e não conseguimos afastar a língua do dente dolorido. Todo bom muçulmano deve orar pelo menos cinco vezes por dia, não importa o que aconteça.Spiegel - Você também vê nisso uma estratégia evolucionária para manter a religião viva?Dennett - É bem possível. O biólogo evolucionário israelense Amotz Zahavi argumenta que aqueles comportamentos "caros" --que são difíceis de serem imitados-- são os melhores para serem passados às gerações seguintes, já que os sinais "baratos" podem ser, e serão, falsificados. Esse princípio dos comportamentos caros é bem conhecido na biologia, e está presente na religião. É importante fazer sacrifícios. O "custo" do comportamento é uma característica com a qual o indivíduo não deve tentar interferir, já que isso implica riscos. Se os imames se reunissem e decidissem remover essa característica eles estariam prejudicando uma das adaptações mais poderosas do islamismo.Spiegel - Usando este tipo de argumentação, você é capaz de prever quais religiões serão vitoriosas?Dennett - Os meus colegas Rodney Stark e Roger Finke pesquisaram por que algumas religiões se disseminam tão rapidamente, e outras não. Eles estão adaptando a economia do campo da oferta a esta questão, e têm dito que existe uma espécie de mercado ilimitado para aquilo que as religiões podem fornecer, mas apenas se elas forem caras. Assim, eles têm uma explicação para o fato de as religiões protestantes muito brandas e liberais estarem perdendo adeptos, enquanto aquelas mais extremadas e intensas atraem novos membros. Spiegel - Você tem uma explicação para o fato de a crença no desenho inteligente ser mais disseminada nos Estados Unidos do que em qualquer outro lugar?Dennett - Não, infelizmente não. Mas posso afirmar que a aliança entre religiões fundamentalistas ou evangélicas e a política de extrema direita se constitui em um fenômeno muito problemático, e que essa é certamente uma das razões mais fortes para a disseminação dessa crença no país. O que realmente assusta é o fato de muitas dessas pessoas realmente acreditarem que a segunda vinda está para acontecer --a idéia de que o armagedom é inevitável, de forma que nada faz muita diferença. Para mim isso é uma irresponsabilidade social do mais alto grau. É assustador.Der Spiegel - Professor Dennett, muito obrigado por esta entrevista.

09 novembro 2005

Desarmamento: o vencedor e os derrotados no referendo

Peter Hof

O VENCEDOR
O dia 23 de outubro de 2005 merece entrar para a história do Brasil como uma data tão importante quanto o Sete de setembro ou a Primeira Batalha de Guararapes (19 de abril de 1648).
Naquela memorável data, um povo que é esmagado por uma das maiores, senão a maior, carga tributária do planeta, e que em troca NÃO tem direito a uma aposentadoria decente; NÃO tem um sistema de saúde pública de nível sequer razoável; NÃO tem uma escola decente para seus filhos; e que NÃO tem um mínimo de segurança que o permita andar nas ruas com liberdade, ou permanecer em paz em sua casa se assim o desejar, foi chamado por um Governo inepto e alheio aos anseios do povo a abrir mão de um direito, mais do que um simples direito, lhe pedia que abdicasse da sagrada prerrogativa de defender a si e a sua família.
E o que esta corja de aproveitadores, de sanguessugas de um povo sofrido esperava ouvir senão um sonoro, inequívoco e definitivo NÃO?
Espero que essa vitória tenha sido um divisor de águas entre o que o povo quer e os dirigentes teimam em fazer. Uma linha foi traçada no chão, daqui vocês não vão passar, pensem bem antes de se reunirem em conchavos em Brasília para planejar novas investidas contra nossos direitos.
E a resposta do povo foi acachapante, os batedores de carteira dos direitos do povo, perderam sob qualquer ângulo que se analisem os resultados: perderam no geral, e não foi um ou dois meros pontos percentuais: 59 milhões de brasileiros disseram não. Não uma diferença como disse acima, de um, dois, dez pontos percentuais. A diferença entre os que decidiram lutar e não abrir mão do direito de defesa, e os que se renderam às estatísticas manipuladas, conversa de artistas e testemunhos melodramáticos e sentimentalóides foram acachapantes 28 pontos percentuais!!! Os defensores do SIM perderam em todas as capitais brasileiras, mesmo aquelas como Maceió, que deveriam ter dado um sólido apoio à posição de coestaduano ilustre, o senador e presidente do Congresso Renan Calheiros, segundo na hierarquia do SIM. Maceió deu 51,33% dos votos válidos ao NÃO. Quando se analisa a votação por região a coisa fica ainda mais evidente: o NÃO venceu nas cinco regiões brasileiras sendo que obteve sua maior vitória na Região Sul, com 79,6% dos votos, e a pior performance na Região Nordeste, com 57,1% dos votos. Não paira, pois, dúvida do que o povo pensa e quer sobre o assunto.
E o vencedor é: O POVO BRASILEIRO!!!!
OS DERROTADOS
O Governo – sem dúvida, o maior perdedor foi este governicho incompetente, e aí é preciso incluir o Poder Legislativo, acostumados ambos em negociar votos e apoio em troca de dinheiro. Derrotado foi, em primeiro lugar, o senhor Luiz Inácio Lula da Silva, o homem que não sabia de nada neste mar de fétida imundície que há cinco meses assola o país de uma maneira jamais vista em sua história. Justiça seja feita, de uma coisa o senhor da Silva não sabe: o que pensa e quer o povo que o elegeu. Derrotado foi o Ministro da Justiça, que em vez de construir os presídios de segurança máxima prometidos, passeava pelo Brasil, desperdiçando nosso pouco dinheiro numa Caravana do Desarmamento, a desarmar velhos e viúvas enquanto a bandidagem se abastecia de armas no Paraguai. Esse mesmo ministro, que declarou no Globo de 10/12/04, pág. 10: “A Campanha do Desarmamento tem por objetivo tirar armas das pessoas de bem e evitar maiores tragédias, como brigas no trânsito e nos estádios.”
Imaginem a angústia e a tristeza do ilustre ministro ao saber que 60 milhões de ingratos brasileiros, incapazes de entender a palavra pregada durante a campanha, discordaram de sua douta opinião...
Derrotado foi o Ministro da Saúde, que apresentou às pressas um relatório suspeito para mostrar que no Brasil morrem 40 mil pessoas por ano, vítimas de brigas no trânsito, entre vizinhos e pobres mulheres vítimas de maridos ciumentos, embora o povo leia nos jornais, todos os dias, que jovens estão morrendo na Guerra do Tráfico e o cidadão em assaltos que ocorrem em cada esquina. Um governo de um país que tem uma das mais altas taxas de mortalidade infantil do mundo e que gasta mais em um avião para o presidente passear do que em saneamento, pode perder seu tempo e seguir perguntando o que quiser para o povo. A resposta, óbvia, vai ser sempre NÃO!
As Organizações Globo. Nem mesmo no tempo dos Diários Associados, que foram um poderoso conglomerado de comunicação, uma organização abandonou sua função histórica de informar imparcialmente seus leitores ou telespectadores como o fez a Rede Globo. Essa organização mentiu, distorceu fatos, contou meias verdades, deu voz apenas ao lado que era de sua conveniência. Aqueles que lêem meus artigos neste site estão cansados de saber a que estou me referindo. Para os que me lêem pela primeira vez alguns exemplos: as Organizações Globo abusaram da população ao promover uma passeata e depois usá-la em uma novela, com fins de gerar lucros. Mentiu quando o jornalista Anselmo Góis, que escreve uma coluna de futilidades (a que eu chamo de Diário do Bobo da Corte), na legenda de uma enorme foto do logotipo da campanha do SIM escreveu que se venderam, em um ano, 52.811 armas a cidadãos quando na verdade o número correto é 1.109. Distorceu fatos quando disse que 100 brasileiros morrem por dia vítimas de armas de fogo, sem explicar que a maioria absoluta dos mortos, inclusive noticiados em seus jornais, O Globo e Extra, não eram vítimas de tresloucados cidadãos. Para cada morte por tiros no trânsito que os jornais noticiam, ocorrem dezenas de mortes de policiais, de marginais na Guerra do Tráfico e em assaltos a cidadãos.
O Globo foi alarmista e intencionalmente desinformador ao publicar na edição de 18/03/05, a matéria intitulada “Civis têm quase 10 vezes mais armas que Estado”. Apenas “esqueceram” de informar que, com exceção dos países governados com mão de ferro pelos amigos de Lula, todos os países democráticos têm mais armas de fogo em mãos de cidadãos do que do Estado. Isto é algo natural e esperado. Não satisfeito, o jornal da família Marinho iniciou uma campanha de desmoralização da turma do NÃO, primeiro apelidando-a de “lobby da armaria”, para depois aumentar o insulto passando a chamá-la pelo depreciativo “bancada da bala”. Agora, sobre as gordas verbas que o Viva Rio e o Sou da Paz recebem de governos estrangeiros, de fundações como a Soros, Rockfeller, Ford e Small Arms Institute, nem uma palavra... Colocou a serviço da causa o jornalista Luiz Garcia, um empolado e vazio malabarista de idéias confusas, que teve o despudor de criticar o governo por não dar uma “mãozinha” aos opositores ao direito de defesa, no momento em que tocou o desespero na turma do SIM ao chegarem os resultados das pesquisas de opinião. Para as Organizações Globo o que importa é ganhar, mesmo que para isto seja necessário envolver o Governo. Na sua insana miopia, não percebe que hoje o governo está mais para saco de pancadas do que para aliado.
Entre 23 de dezembro de 2003, quando passou a vigorar o Estatuto do Desarmamento, até 17/9/05, quando deixou que publicasse na importante página 7 do jornal um artigo do filósofo Denis Rosenfield, dando um entusiasmado e bem construído apoio ao NÃO, essa prestigiada página era monopólio da turma do SIM. Mas para não deixar passar em branco a ousadia do prof. Rosenfield, o Globo encomendou uma resposta a um obscuro pesquisador do IUPERJ e que foi devidamente publicada na mesma pagina 7 em 26/09/05. Do deputado Luiz Piauhylino ao senhor Antonio Rangel Bandeira, do Viva Rio, qualquer um que tivesse algo a dizer contra o direito de autodefesa tinha espaço garantido ali.
O desplante e o desrespeito pelos leitores atingiram o fundo do poço em uma entrevista concedida pelo melífluo senhor Rubem César Fernandes, diretor do Movimento Viva Rio, à repórter Tais Mendes, publicada em O Globo de 05/03/05, pág. 21. O senhor Fernandes fez uma apaixonada defesa de William de Oliveira, presidente de uma organização de moradores da favela da Rocinha e acusado de ligações com o tráfico. Para defender seu protégé, envolvido no acobertamento do furto de fuzis do Exército, o senhor Fernandes comete o absurdo de afirmar que “Mentira não chega a ser crime”. Como, ao contrário de O Globo, a justiça não concorda com o senhor Fernandes, o dirigente comunitário acabou na cadeia.
ONGs – No Brasil, duas ONGs tiveram papel preponderante nos 21 meses que decorreram entre a aprovação da Lei No. 10.826 e o começo da campanha. Durante esse longo período foram senhores absolutos do tempo e do espaço nos meios de comunicação. Alimentados por fartas verbas dos governos brasileiro e inglês, e gozando da simpatia da mídia, eles escreveram, deram entrevistas, mostraram estatísticas deformadas, ameaçaram a sociedade com o fogo do inferno e tiveram o irrestrito apoio do governo participando ativamente da Campanha do Desarmamento. Interessante é que recolhiam armas em toda a parte, mas nunca ouvi dizer de uma só de suas barraquinhas sendo instalada em uma só das favelas do Rio. Desde apoiar marginais até dar explicações tolas e descabidas, a trêfega rapaziada do Viva Rio e do Sou da Paz teve amplo e irrestrito apoio. Se quiserem que o dinheiro dos patrocinadores continue jorrando, será bom abraçar outras causas. Tenho até uma sugestão: por que não iniciar uma campanha contra as 40 mil mortes anuais no trânsito? Poderiam também iniciar uma campanha para que a carteira de motorista seja concedida apenas aos maiores de 25 anos. Afinal, já conseguiram isto na estapafúrdia Lei No. 10.826. A apoiar essa proposta existe o forte argumento de que 41% dos envolvidos em acidentes de carro têm entre 18 e 30 anos. Segundo a revista Veja (30/4/2003), 65% dos leitos dos hospitais de emergência são ocupados por vítimas de acidentes de trânsito. Por que não tentam uma parceria com a Globo? Pensando bem, é melhor esquecer o assunto. A briga não seria com três fabricantes de armas e um de munição. Aqui a coisa seria com a poderosa indústria automobilística e os bancos que ganham fortunas financiando carros com os juros mais altos do mundo. Posso estar enganado, mas o pessoal da Globo não é doido para embarcar numa canoa destas... Que tal então iniciar uma campanha contra a produção e exportação de fumo? É uma boa campanha erradicar as plantações de fumo. De acordo com a ONU, essa organização trabalha nos detalhes finais de um tratado global contra o fumo. Antes de entrar nessa, algumas informações: o Brasil é o maior exportador de fumo do mundo. São 200 mil famílias dependentes desse negócio, que em 2002 gerou divisas da ordem de 1 bilhão de dólares. Melhor deixar de lado essa idéia também... Mas é bom pensar rápido, rapaziada!
A Causa do SIM - Creio que aqui está o verdadeiro cerne do problema (deles). A causa do SIM é uma infeliz combinação de um grupo de incompetentes, associados a uma causa muito ruim e impopular. Como é possível entender que o Viva Rio e o Sou da Paz, que tiveram 21 meses para fazer e dizer o que bem quisessem, com apoio de governos estrangeiros, fundações, das Organizações Globo, do Presidente da República e do Congresso, dos ministérios da Justiça e da Saúde, de prefeitos como José Serra e o indisfarçado apoio da maioria da imprensa; e que menos de dois meses atrás tinham 80% da intenção de voto conseguiram, qual um atoleimado Golias, perder a batalha para um pequeno grupo de Davis? E não perderam por um fio de barba. Perderam de uma forma acachapante, humilhante e definitiva. Não é difícil perceber a incompetência dessa gente, lendo o que eles declaram. Vejam o que disse o senhor Denis Mizne, do Sou da Paz, ao Globo de 24/10/05, pág. 10. Ainda com o traseiro ardendo com o forte ponta-pé que lhe infligiu o povo brasileiro, o doutor Mizne desabafou: “Agora o pessoal do“Não”, que nunca trabalhou nem nunca vai trabalhar pela segurança pública no país, pode pegar seu chequinho nas grandes fábricas de armas e seguir como se nada tivesse acontecido.” Ao fazer uma afirmação caluniosa, o senhor Mizne deveria lembrar que a organização que ele dirige foi proibida pelo TSE de participar da campanha do referendo por ser financiada por grupos e instituições estrangeiros, de onde chega, não um chequinho, mas um saco de dinheiro. Segundo, porque não acredito que dar irrestrito apoio a marginais que se envolvem em roubo de armas do Exército, como o fez seu colega do Viva Rio, seja trabalhar pela segurança pública.
Agora a obra-prima da explicação tola, da falta de discernimento dessa gente, de sua absoluta incapacidade de enxergar as coisas como elas são, aconteceu em finais de fevereiro desse ano, quando o Instituto Census/CNT publicou uma pesquisa mostrando que o NÃO tinha na época 48,8% das intenções de voto. A gerente de mobilização do Sou da Paz se saiu com esta cândida explicação para os resultados da pesquisa, explicação que foi publicada no Globo de 27/2/05, pág. 16: “Muita gente apóia o desarmamento, mas tem dúvida sobre a proibição porque acha que as fábricas serão fechadas”. Felizes são os funcionários da Taurus e da CBC que têm o apoio e a proteção de 60 milhões de brasileiros. Nem o Lula, com uma dinheirama de origem suspeita, e toda a enganação montada pelo Duda Mendonça, conseguiu isto.

10 outubro 2005

O referendo

NELSON ASCHER
O referendo sobre a comercialização de armas de fogo e munição no Brasil é, de um ponto de vista prático, uma bobagem: uma perda de tempo e dinheiro, um desperdício de saliva e tinta.Caso as previsões se confirmem e se limite ainda mais o acesso legal dos cidadãos a revólveres, pistolas etc., a melhor conseqüência que advirá disso, se formos otimistas, será uma redução marginal no número de acidentes letais e, com muita sorte, uma baixa mínima no índice de alguns poucos tipos de homicídio.As preocupações que, no fundo, movem a maioria das eleitores bem-intencionados, a saber, a criminalidade, a sensação realista ou exagerada de insegurança sobretudo nas grandes metrópoles, essas mal serão afetadas pelo voto, pois, como diria o poeta T.S. Eliot, entre a criação de uma lei e sua implementação, cai a sombra. Não faltam em parte alguma leis maravilhosas que, por mais esperançosamente tenham vindo à luz, nunca passaram de letra morta.Com um litoral do tamanho do nosso, com a extensão das fronteiras nacionais, para nem falar das nações que estão do outro lado delas, nem o mais totalitário governo de esquerda ou direita nem a força policial mais numerosa, honesta e eficiente do mundo conseguiriam manter sob controle o influxo de armas ilegais provenientes do exterior.Trocando em miúdos, se ninguém é capaz de impedir, por exemplo, a entrada de drogas ou de imigrantes sem papéis inclusive em terras decentemente administradas, os criminosos autênticos darão, quando preciso, um "jeitinho" de, desde um trivial "três-oitão", passando pela Kalashnikov padrão até um lança-mísseis de última geração, obter tudo o que considerem instrumento imprescindível de trabalho.Nada de novo até aqui. Mas, então, qual a função desse referendo, o que é que está, de fato, sendo discutido?O direito individual de possuir e portar armas de fogo é, como o aborto ou a pena capital, uma dessas questões espinhosas que envolvem muito mais do que o observador ingênuo ou desinformado supõe, questões que definem o caráter de uma sociedade.Há duas maneiras fundamentais, não mutuamente exclusivas, de pensar as leis: de acordo com os princípios (éticos, morais, políticos) que levaram à sua promulgação, ou segundo os resultados que se espera que produzam.Alguém pode ser contra o aborto mesmo sabendo da infelicidade que um rebento indesejado tende a gerar, ou ser a favor dele embora não ignore que, a longo prazo, sua generalização contribui em diversos países para a importação de uma mão-de-obra cuja proliferação potencialmente acirra conflitos etno-religiosos. De forma semelhante, outros apoiariam ou não a execução de criminosos independentemente de seus efeitos positivos ou negativos sobre os níveis de criminalidade. Trata-se, nesses casos diversos, de opções que, malgrado amiúde serem defendidas com dados e estatísticas que apontam para tais ou quais conseqüências, enraízam-se em princípios que as antecedem nem seriam abandonados perante evidências objetivas que os contradissessem.Existe, assim, gente que julga qualquer violência, seja no atacado, seja no varejo, ilegítima. Para um pacifista radical, até um ato indiscutível de autodefesa constitui uma abominação, quando não significa pura e simplesmente que a vítima, ao reagir, se confunde com o agressor. Tal alergia à violência, encarnada na recusa a distinguir entre a legítima e a ilegítima, tornou-se, nos dias atuais, uma espécie de religião laica que, nas elites bem-pensantes, atrai legiões crescentes de seguidores. Doutrinários que são, eles também entendem que suas doutrinas, se aberta e claramente formuladas, jamais convenceriam o grosso de tanto faz qual população.Muitas mulheres, em particular aquelas que são mães, acreditam que a propensão à violência é algo alheio à natureza humana, isto é, a imposição exógena dos ditames de uma cultura machista ou, pelo menos, masculina a pequenos "bons selvagens" que, imaturos, não descobriram ainda seu próprio pacifismo de base, sua vocação inata a virar a outra face. Impedindo seus filhos de adquirirem armas de brinquedo, elas lhes menosprezam a imaginação sem levar em conta que, nas mãos de um garoto, um cabo de vassoura se converte numa espada, uma tábua num escudo, uma lanterna num disparador de raios laser.Diante da expectativa de escassos resultados verificáveis, é lícito presumir que os idealizadores do referendo tinham e têm em mente antes a difusão dos princípios nos quais crêem do que suas improváveis virtudes pragmáticas. A rigor, suas possíveis motivações decorrem da certeza de que áreas cada vez mais amplas do comportamento individual devem ser supervisionadas pelo Estado. Para eles, as benesses da intromissão estatal, do direito estatal de se imiscuir na vida privada dos cidadãos, normalmente lhes eclipsam os prejuízos, se é que estes existem. Um objetivo importante, nas circunvoluções cerebrais dos que sustentam tais teses, é o de perpétua e ininterruptamente "educar" as "massas ignaras", o "povão" que, desconhecendo seus lídimos interesses, só pode agradecer o nobre empenho de uma elite ou vanguarda que os esclareça e ilumine.O referendo que, para a cidadania, se resume num pequeno passo (nem para frente, nem para trás, talvez apenas para o lado), será, porém, para os ideólogos de plantão, para as elites menos iluministas que "iluminadas", um grande salto, nem o inicial, nem o derradeiro, rumo à realização de suas metas, metas que o século 20 definiu e, com justiça, estigmatizou como "engenharia social".

06 outubro 2005

Armas: a solução de João

CONTARDO CALLIGARIS
No dia 23 de outubro, os cidadãos brasileiros decidirão se, em vista de um bem comum e superior, eles querem ou não se privar do direito de comprar legalmente armas e munições.Atualmente, no Brasil, esse direito é regulamentado. Só é possível comprar armas até o calibre 38; o comprador (maior de 25 anos) não pode ter antecedentes penais, deve passar por um teste psicológico que comprove um certo equilíbrio emocional e deve aprender o manuseio de sua arma num breve curso. Com isso, ele é autorizado a guardar a arma em casa ou no escritório. A permissão de carregar a arma consigo, no corpo ou no carro, é reservada a quem exerce uma profissão de risco e está exposto a uma ameaça de vida (Forças Armadas, policiais, promotores, seguranças particulares). Existe uma exceção para a caça, em zonas rurais.Se o "sim" ganhar no próximo referendo (o "sim", diga-se em prol da clareza, significa sim à proibição da compra de armas), quem já tem armas legais e registradas poderá guardá-las, mas não poderá mais adquirir munições.João mora numa casa da periferia paulistana, é motorista de táxi, pai de família, leitor assíduo de jornais e revistas semanais. Conversamos com freqüência e, no sábado passado, o tema foi o referendo.João observou que, para a maioria da população, as armas, de qualquer forma, são muito caras. Quanto aos mais abastados, seus seguranças particulares continuarão armados. Em suma, o referendo terá conseqüências só para a faixa de brasileiros à qual ele pertence.Logo, João evocou o argumento conhecido: a proibição não resolverá o problema da violência, pois desarmará o cidadão, e os bandidos continuarão adquirindo armas na ilegalidade (quem está na praça sabe que é fácil).Respondi que, contrariamente ao que a gente imagina, a maioria dos assassinatos por arma de fogo não tem nada a ver com assaltos e invasões de residências. Leva-se um tiro do marido ou da mulher, numa briga de família ou numa discussão no bar da esquina em que alguém não foi com a cara da gente. A arma que mais mata não é a arma ilegal do bandido, mas a arma que o cidadão comum tem em casa e que ele vai buscar, enfurecido, depois do terceiro gole.João concordou, mas notou que ele não bebe nunca, não usa droga e está bem de cabeça (tudo verdade). Uma arma em casa lhe daria uma certa segurança, a impressão de poder defender sua família. Até agora não comprou, mas faz tempo que pensa nisso. Além do mais, mesmo sem ter uma arma, ele prefere que os ladrões eventuais se preocupem com a idéia de que o dono poderia estar armado.Comentei que, às vezes, os ditos ladrões assaltam justamente para roubar a arma de casa. Também lhe contei que, um dia, Jack Maple (o braço direito de William Bratton, que dirigiu a polícia de Nova York nos anos 90) me disse o seguinte: se a gente não está treinado, ter uma arma na mão só serve para ser baleado. E não basta ter feito um curso e ser capaz de acertar o alvo, é preciso estar disposto a atirar primeiro e a matar. Para isso, é necessário treinar até que o tiro se torne uma ação quase automática: 300 balas por semana, no mínimo. Mesmo usando balas recarregadas, o custo se torna rapidamente enorme. Aparte: será que nossos policiais treinam com 300 balas por semana?Outra questão: uma arma em casa só adianta se ela estiver acessível e carregada. Como evitar que as crianças a encontrem, brinquem e engrossem a estatística dos acidentes? A tudo tem resposta: a arma estará no quarto, do lado da cama, e será carregada só à noite. O problema é que chega o dia em que a gente se esquece de descarregá-la de dia ou de carregá-la à noite.João foi sensível a meus argumentos, mas a vontade de poder defender sua família é mais forte.Não é estranho: se não posso proporcionar a meus filhos a melhor escola e o melhor hospital (sem falar das férias, dos brinquedos e da roupa), quero me resgatar na hora de defendê-los. Se meu apelo à força pública não é ouvido ou vale menos do que o de outros mais favorecidos, quero mostrar à minha família que não sou trouxa: por uma vez, terei a chance de ser o herói de casa.Eis, então, a solução de João.Ele vai comprar imediatamente duas armas -na ilegalidade, pois, depois do referendo, talvez o passo seguinte seja recolher as armas legais e declaradas. Ele comprará também seis balas importadas para a defesa e uma caixa de recarregadas para treino. Treinar onde? Pois é, os seguranças continuarão treinando, e quem não tem amigos?No referendo, ele votará "sim", para proteger (contra eles mesmos) os malucos que não sabem se controlar e acabam matando o vizinho numa bebedeira ou os desvairados que não conseguem se organizar para evitar que as crianças brinquem com uma arma carregada.Depois do referendo, quando o preço das armas no mercado negro aumentará, ele revenderá uma das duas armas que comprou. O lucro ajudará a pagar pela arma com a qual ele vai ficar.Essa é a solução de João. Por favor, não me pergunte a minha.

26 junho 2005

A idiotice da política de cotas

O Globo - Prosa & Verso - pg. 01 - 20/6
‘A democracia racial infelizmente virou vilã’Luciano Trigo
Na contracorrente do pensamento dominante no Brasil sobre raças, o antropólogo inglês Peter Fry expõe seu pensamento em “A persistência da raça — Ensaios antropológicos sobre o Brasil e a África austral” (Civilização Brasileira). Com base na sua experiência em países africanos e numa longa reflexão sobre a questão racial brasileira, Fry afirma que a raça é um mito social poderoso, que já causou danos incalculáveis, principalmente quando adquire a força da lei. Contrário à intervenção estatal na definição “racial” dos cidadãos, ele indaga se a ação afirmativa e a política de cotas não terão como efeito negar um Brasil híbrido a favor de um Brasil de raças distintas. Especial para O GLOBOEm “A persistência da raça” você revela desconforto com a análise hoje dominante da questão racial no Brasil. Poderia resumir as razões desse desconforto? PETER FRY: Na análise dominante da questão racial, o Brasil é imaginado como um país de duas “raças” em conflito. Não vejo este Brasil nem nas etnografias e muito menos na minha experiência de cidadão. Mas a repetição deste discurso faz com que ele se torne uma profecia que pode ser cumprida. Queremos uma sociedade de “raças” distintas? A constatação da existência de preconceito e discriminação racial é correta. Aliás, tais preconceitos e discriminações são infelizmente universais. Mas esta constatação não deveria implicar a rejeição da utopia de uma sociedade a-racista. O Brasil é um dos poucos países que construíram uma ideologia nacional a-racista. Essa ideologia passou a ser chamada de democracia racial. Infelizmente a democracia racial virou vilã, em vez do racismo em si. Com a política de cotas, pela primeira vez a raça virou no Brasil uma entidade jurídica. Que impactos essa política pode ter sobre as relações raciais a longo prazo? FRY: Quando o Estado institui raça como critério para a distribuição de direitos, a tendência é de fortalecer a crença em raças e, em conseqüência, o racismo. O caminho de volta para uma ideologia a-racista se torna muito difícil de tomar. Em todos os lugares do mundo onde Estados seguiram o caminho de racializar a legislação, as conseqüências foram nefastas. África do Sul e Ruanda talvez sejam os exemplos mais extremos e mais terríveis. Espero que a forte ideologia da mistura vença a longo prazo. Mas não sou otimista neste sentido. Você critica a agenda política do movimento negro, segundo a qual somente os negros podem falar dos seus problemas. Quais os perigos disso? FRY: Não me cabe criticar a agenda política do movimento negro. Estou tentando engajar a sociedade como um todo. Os movimentos de minorias mais bem-sucedidos são aqueles que conseguem angariar o apoio da sociedade como um todo, e transformar atitudes negativas em atitudes positivas. Os movimentos das mulheres e dos homossexuais são exemplos disso. Você considera que o Brasil está copiando o modelo americano de abordagem da questão racial, com a política de cotas e a ação afirmativa? FRY: Na verdade a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu contra as cotas per se. Apenas permite que se leve raça em consideração na alocação de vagas universitárias. Ao introduzir cotas, o Brasil inovou. Mesmo assim, o Brasil está mimeticamente falando de “raça”, como se tivesse as mesmas características dos Estados Unidos, onde quem tem uma gota de “sangue negro” é considerado negro, e onde o pertencimento racial transmite valores, estilos e modos de vidas distintos. Por exemplo: existe nos EUA uma maneira de falar própria dos negros. Respondendo ao telefone, você sabe a “raça” de quem fala. Aqui se pode adivinhar talvez o gênero da pessoa, a sua região de origem e o seu grau de instrução apenas. Nunca a cor da sua pele ou a sua “identidade racial”. Avaliar a política de cotas é tarefa muito difícil, e é cedo para dizer qualquer coisa. Eu apenas queria chamar a atenção para o fato de que as cotas instituem a existência de categorias raciais jurídicas: indígena, negro e não-negro (branco?). Devemos nos indagar sobre as possíveis conseqüências disso. Temo que isso acabe fortalecendo um Brasil imaginado não mais como país mestiço, mas como uma nação de raças estanques. Os mais otimistas pensam que o Brasil em nada mudará. Sou mais pessimista.Vítimas podem virar algozes, diz antropólogo Em seu livro, Peter Fry observa que a racialização de toda ordem tem efeito nocivo em qualquer sociedade
A adoção crescente de um modelo bipolar, que divide a sociedade em negros e brancos, no lugar de um modelo plural, que leva em conta a nossa mestiçagem, já está gerando algumas confusões. O que achou da polêmica provocada pelo craque Ronaldo quando declarou na imprensa que é branco?
PETER FRY: Ronaldo disse que é branco. Para saber se ele tem razão, poderíamos mandar a fotografia dele para a Comissão da Universidade de Brasília, que decide se candidatos ao vestibular são negros ou não. De acordo com a Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário, todo cidadão tem o direito de dizer quem é. Os americanos acreditam que uma gota de “sangue negro” enegrece. No Brasil se achava que o “sangue branco” embranquecesse. Qual é a ideologia mais estranha? Ronaldo pode ser da cor que ele quiser.
Já que falamos de futebol, o que achou da recente prisão de um jogador argentino por ter ofendido em campo o jogador brasileiro Grafiti? Você considera que o racismo pode ser extinto através de punições rigorosas, como a prisão? Ou isso só servirá para acirrar as tensões raciais?
FRY: Racismo é criminoso. O problema é que a lei anti-racista é tão draconiana — levando à prisão, por exemplo — que nem as vítimas do racismo nem os técnicos da Justiça gostam sempre de acioná-la. Não seriam mais eficazes punições mais apropriadas ao crime, como indenizações, serviço social em bairros pobres e negros, por exemplo? Criminalizar o racismo não o elimina. Mas pelo menos marca o seu caráter odioso.
Faz parte do processo de “racialização” da sociedade brasileira a descoberta de uma classe média negra pela mídia. Em seu livro, você considera isso positivo, já que difunde padrões estéticos diferentes. Mas isso não seria também motivado por razões de mercado, isto é, fazer essa classe consumir mais, introjetando valores ligados ao consumismo “branco”?
FRY: A única diferença mais ou menos objetiva entre nós são as nossas aparências. Viva a diferença estética! O consumismo não tem cor. Vivemos numa sociedade onde o mercado, ao buscar lucro, marca e dá substância às diferenças de toda ordem. Quem quiser escapar do mercado terá que seguir a trilha de Robinson Crusoé!
A autodepreciação que vitimava muitos negros estaria sendo compensada por uma auto-exaltação radical? Não se estaria praticando um racismo com sinais invertidos?
FRY: O que tento argumentar no meu livro é que a racialização de toda ordem é nociva. As vítimas de hoje podem sempre ser os algozes de amanhã. Detesto toda forma de exaltar ou intimidar em termos raciais. Ao mesmo tempo, é fundamental que todos se sintam bem com as aparências que têm. É por isso que vejo com bons olhos o mercado de embelezamento de aparências diversas. É por isso também que é essencial informar a população sobre a ausência de uma relação entre aparência e a composição genética dos indivíduos.
Apesar da lógica de sua argumentação em relação à democracia racial como um alvo a ser perseguido, como convencer os negros, que desde a escravidão sofrem a discriminação e o preconceito, de que eles devem insistir nessa utopia, em vez de lutar de forma mais afirmativa pelos seus direitos? Eles não estão, de fato, ganhando mobilidade social com essa nova atitude?
FRY: Boa pergunta! Mesmo assim, não é verdade que todos os brasileiros mais escuros entendem o a-racismo brasileiro como negativo. Muitos derivam a sua dignidade como cidadãos do fato de poderem se ver e serem vistos como iguais. Não há dúvida de que a ação afirmativa produz mobilidade educacional para alguns poucos, que tiveram condições para concluir o ensino médio. Os cargos governamentais que surgem no bojo dos programas de ação afirmativa também oferecem oportunidades para ascensão social. Para gerir mobilidade social sem racializar, seria necessário um investimento maciço em educação nos territórios mais pobres e, portanto, mais negros do país. Seria necessário também eliminar os preconceitos que prejudicam as pessoas mais escuras no mercado de trabalho.
Você mudou sua visão sobre a questão racial depois de sua segunda visita à África. Fale sobre isso.
FRY: Conheci a Rodésia como colônia da Grã-Bretanha racialmente dividida. Voltei para o mesmo país dez anos depois da independência. Neste Zimbábue achei as divisões “raciais” pouco mudadas e a crença em diferenças raciais pouco abalada. O presidente, Robert Mugabe, tem uma interpretação racista para o fracasso do seu governo: complô dos brancos. Vendo a persistência de crenças forjadas na lei, tive mais clareza sobre a dificuldade de reverter a racialização promovida pelos Estados nacionais. Por outro lado, conheci Moçambique 15 anos depois da sua independência. Naquele país, que durante os últimos anos do governo colonial experimentou um crescente a-racismo, e que viveu um a-racismo muito forte no socialismo de Samora Machel, a suposta raça das pessoas interfere menos na vida dos cidadãos do que em Zimbábue. Assim me dei conta de que a ideologia e a Constituição brasileiras a-racistas representavam um patrimônio ímpar.
Como Gilberto Freyre influenciou seu trabalho, em diferentes momentos?
FRY: Li algo de Gilberto Freyre na época em que ele apoiava as políticas salazaristas de não admitir a possibilidade da independência das colônias. Achei horrível. Ele avançava uma justificativa culturalista para a permanência da dominação portuguesa na África. Mais tarde, já no Brasil, me juntei ao coro crítico paulista, achando Freyre grandemente responsável pela propagação da idéia de que no Brasil não havia racismo. Mais tarde, e sobretudo depois de conhecer relativamente bem a África de língua portuguesa, reconheci que ele tinha muita razão quando contrastava o colonialismo dos portugueses ao colonialismo dos britânicos, contrapondo assimilação versus segregação. Além disso, me beneficiei do livro de Ricardo Benzaquem de Araújo sobre Freyre (“Guerra e paz: Casa-grande & senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30”). Percebi que o meu desgosto pelo posicionamento pró-Salazar de Freyre na década de 1960 tinha contaminado a minha leitura de “Casa-grande & senzala”. Este livro não nega a crueldade da escravidão. Pelo contrário, parte da constatação de uma sociedade fundada em antagonismos culturais e econômicos, entre “sadistas e masoquistas, doutores e analfabetos, indivíduos de cultura predominantemente européia e outros de cultura principalmente africana e ameríndia”. Freyre argumentou que esses antagonismos entre senhores e escravos eram suavizados pelo contato íntimo.
A diversidade é um tema em evidência no mundo, não apenas em relação à questão racial. Como avalia a recente legislação francesa que proíbe estudantes de irem para a escola vestidos com roupas que ostentem a sua religiosidade? O esforço da sociedade deve ser para apagar ou realçar as diferenças entre diferentes grupos culturais, étnicos, religiosos etc?
FRY: O grande apoio da sociedade francesa à legislação do Governo contra o uso do véu nas escolas mostra quão forte é o a-racismo naquele país de cidadãos supostamente iguais perante a lei, e onde a escola laica é entendida como uma das instituições mais importantes para garantir essa igualdade. Mas também demonstra uma espécie de “atitude avestruz” perante a crescente visibilidade do Islã na França. Pessoalmente penso que exageraram na dose. Não se pode apagar as diferenças por decreto. Bastava não incitá-las. Aliás, seria interessante o Brasil olhar com mais cuidado as políticas raciais francesas para avaliar a sua eficácia em promover a mobilidade social, em vez de olhar exclusivamente para os EUA. Mas, como argumento no meu livro, tanto os franceses quanto os brasileiros partem de posições ideológicas minoritárias num mundo dominado por modelos multiculturalistas, tidos como naturais e corretos pelos anglo-saxões.
LUCIANO TRIGO é jornalista O preconceito existe e pode matar
Verena Alberti
A questão racial no Brasil não é simples. De um lado, temos a propalada “democracia racial”, que faz parte de um projeto em certa medida bem-sucedido de construção de nossa identidade nacional. Nos anos 30, com Getulio Vargas no poder, insistiu-se bastante na harmoniosa relação entre as raças que compunham a nação. Havia até um Dia da Raça, com direito a desfiles de crianças de colégio, enaltecendo a pátria e a raça brasileiras. Em 1939, Ary Barroso compôs “Aquarela do Brasil”, nosso quase-hino nacional que louva a miscigenação (a aquarela, justamente). Mas essa mistura harmoniosa não era equânime: nesse momento, e nas décadas seguintes, era comum falar da “contribuição” do negro e do índio à cultura nacional. Como se o cerne da nação fosse o branco. O clássico “Casa-grande & senzala”, de Gilberto Freyre, publicado em 1933, é um exemplo disso. Apesar do título, Freyre não se dedica propriamente à senzala. A “casa-grande” muitas vezes aparece como sinônimo de “Brasil”, e seu proprietário, de “brasileiro”: a ama negra, o negro velho, a mucama, a cozinheira “se sucediam na vida do brasileiro de outrora”, diz Freyre.
Procurando denunciar o chamado “mito da democracia racial”, surgiu, nos anos 70, o que hoje denominamos “movimento negro contemporâneo”. Há um ano, o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getulio Vargas (CPDOC-FGV) vem realizando entrevistas gravadas com lideranças desse movimento, em diferentes estados do Brasil, com o objetivo de constituir um registro de sua história e de trazer ao debate sobre a questão racial no Brasil a contribuição daqueles que optaram por atuar primordialmente nessa esfera. As entrevistas, ainda em fase de tratamento para serem abertas à consulta, possibilitam diferentes perspectivas de análise.
A despeito de a miscigenação racial ser uma das características mais valorizadas de nossa identidade nacional, não podemos negar que existe racismo no Brasil. O racismo é a idéia de superioridade de uma raça em relação a outra(s), e só se consubstancia porque uma raça se sente superior, e a outra se sente inferior. As entrevistas com lideranças do movimento negro contêm várias passagens expressivas, que mostram como nossa cultura está impregnada dessa lógica superior-inferior. Veja-se o relato de Justo Evangelista, nascido em 1935, vereador de Itapecurumirim, no Maranhão, na década de 1990: “Eu cheguei em Chapadinha, era um festejo, tinha um leilão e eu estava em pé, atrás de um deputado, no meio de muita gente. O cara que estava gritando no leilão me conhecia e disse: ‘Agora, para gritar o leilão tem um deputado e tem um vereador.’ O deputado olhou para trás, passou a vista por cima de mim assim, e nunca me enxergou. Porque era um negro. Ele nem imaginava que eu era vereador, porque não parecia mesmo vereador.” A “invisibilidade” do negro, que necessita do branco, talvez seja a forma mais recorrente com que se declara, em nosso país, sua “inferioridade”.
Muitos insistem que no Brasil não há preconceito de raça ou cor, e sim preconceito social: é o fato de a maioria dos negros ser pobre que explica o racismo. Proponho que avancemos um passo nessa reflexão: não importa a causa (admitamos que seja social), o fato é que ela produz o preconceito contra o afro-descendente. Preconceito que não só existe, como pode matar. De que morreu, em fevereiro do ano passado, o dentista negro Flávio Sant’Anna, em São Paulo? Suspeito de assalto, naquele momento ele não era “invisível”, mas uma ameaça ( Flávio foi assassinado com dois tiros no peito por policiais que o confundiram com um ladrão ).
E se vivêssemos em uma sociedade onde fosse comum haver dentistas, médicos, professores, engenheiros, juízes, diplomatas etc negros? Favorecer o acesso das populações mais pobres ao ensino superior não seria uma forma de “queimar etapas” nesse sentido? As entrevistas realizadas pelo CPDOC mostram que nem sempre as políticas de ação afirmativa, entre elas as cotas para ingresso na universidade, foram uma bandeira comum no movimento. Mas com o tempo, o debate suscitado pelas cotas acabou provocando aquilo que as lideranças almejavam desde o início: despertar a sociedade para a questão racial. Essa discussão é sem dúvida mais decisiva para o movimento do que as próprias cotas, vistas como medidas emergenciais e cuja aplicação deve ser aprimorada a cada nova experiência.
O importante é a sociedade brasileira empenhar-se em encontrar caminhos que nos levem a uma efetiva democracia racial. Reconhecer as diferenças sem que haja “superior” ou “inferior” não significa renunciar à nossa identidade miscigenada. VERENA ALBERTI é pesquisadora do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getulio Vargas, onde coordena o projeto “História do movimento negro no Brasil: constituição de acervo de entrevistas”, que conta com a participação de Amílcar Araújo Pereira, aluno do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais da UerjNegros no Brasil são tema de novos livrosAlém do livro do antropólogo Peter Fry, pelo menos outras cinco obras — uma delas de ficção — que tomam como tema a história dos negros no Brasil (e no mundo) acabaram de ser lançadas ou serão em breve. O que mostra que ainda há muito da História a ser contado, recontado, pesquisado, esmiuçado. A mesma Civilização Brasileira que publica o livro de Fry tem quatro obras sobre o tema. Em abril, lançou “Escravos e libertos no Brasil colonial”, de A. J. R. Russell-Wood, um clássico na área, com prefácio especial para essa edição. No fim de maio, chegou “Memórias do cativeiro: identidade, trabalho e cidadania no pós-abolição”, de Ana Maria Lugão Rios e Hebe Maria Mattos, uma pesquisa feita a partir de resumos de entrevistas com descendentes de escravos. “Além da escravidão: investigações sobre raça, trabalho e cidadania em sociedades pós-emancipadas”, dos historiadores Rebecca J. Scott, Frederick Cooper e Thomas C. Holt, traça um painel sobre a transição da escravidão em diversos países. E na próxima semana chega às livrarias “Tráfico, cativeiro e liberdade”, organizado por Manolo Florentino, que mapeia as etapas principais da escravidão no Rio de Janeiro. Tema semelhante ao livro “De costa a costa — Escravos, marinheiros e intermediários do tráfico negreiro de Angola ao Rio de Janeiro (1780-1860)”, de Jaime Rodrigues, que a Companhia das Letras lança no fim do mês. E na semana que vem a Record bota na praça “Contos negreiros”, em que Marcelino Freire, nome celebrado da nova geração de escritores, põe o negro como personagem de seus textos, que discutem racismo, homossexualismo e conflito de classes.Trechos do livro 'A perseverança da raça', de Peter Fry
“Quem é branco e escreve sobre racismo sem adotar as palavras de ordem dos movimentos negros e seus aliados está sempre sujeito a críticas que sugerem que a sua ‘raça’ impede uma visão clara da questão. (Essas críticas) achatam demais, (pois as) relações sociais afetam todos nós, independentemente de nossa aparência. (...) Ao contrário da ortodoxia que repudia a ‘democracia racial’ como apenas uma farsa ou máscara que ilude o povo, escondendo o racismo e impedindo a formação de um movimento negro de massa, prefiro pensá-la como um ideal a ser alcançado”
“A celebração da ‘diversidade’ tão em moda nos dias atuais redunda, na prática, na celebração de ‘raças’ ou seu eufemismo politicamente correto, ‘etnias’. Políticas públicas denominadas ‘ação afirmativa’ são implementadas para reduzir as desigualdades ‘raciais’. Mas como essas políticas exigem dos beneficiados uma identidade racial, a crença em raças sai fortalecida. Por mais bem-intencionada que seja a ação afirmativa, ela tem como conseqüência lógica o fortalecimento do mito racial”

19 junho 2005

Ninguém é bonzinho

Psiquiatra afirma que as pessoas sedividem em egoístas e generosas porfraqueza, e não por vontade própria.Nenhuma delas merece aplauso
Camilo Vannuchi
Uma trama diabólica. É assim que Flávio Gikovate, 63 anos, define a divisão do Mundo entre egoístas e generosos no livro O mal, o bem e mais além (MG Editores, 160 págs.,R$ 29,70), com lançamento previsto para a terça-feira 14 em São Paulo. Sua experiência em consultório o fez perceber que quase todos os casais – e também as relações sociais e entre amigos – fundamentam sua relação nas trocas estabelecidas entre uma personalidade mais exigente, barulhenta e emocionalmente sensível e outra mais madura, compreensiva ao extremo. Divisão um tanto maniqueísta? Gikovate diz que não. “A culpa não é minha se existem apenas dois tipos de pessoas”, afirma. A novidade presente no livro é que, segundo ele, os generosos não formam o time do bem, como julga o senso comum, nem os egoístas são os vilões. Sua hipótese é de que as diferentes reações a sentimentos humanos, como vaidade, inveja, culpa e humilhação, acabam por determinar o perfil de cada indivíduo. A miséria dos egoístas está no fato de que eles dependem dos generosos, assim como os generosos precisam dos egoístas.
ISTOÉ – O que o levou a escrever sobre a velha dicotomia entre o bem e o mal? Flávio Gikovate – O tema da moral está presente há algum tempo em meu trabalho, mas antes tratava o egoísmo como algo pior do que a generosidade. Em 1976, escrevi que havia dois tipos de amor, por diferença e por semelhança. A grande maioria dos casais se estabelecem entre pessoas antagônicas. Hoje, a moda é falar em alma gêmea, mas, na prática, as pessoas continuam se encantando por oposição e dizendo que os opostos se atraem. A atração por opostos tem muitas causas, desde a dificuldade de auto-estima (não gostar do seu jeito de ser e se encantar com o outro) até o medo da paixão, muito intensa, estabelecida entre semelhantes. A paixão, diferentemente da maioria das relações, se dá entre pessoas parecidas.
ISTOÉ – Por quê?Gikovate – Paixão é amor em grande intensidade mais medo em grande intensidade. O coração não bate por amor, mas por medo. E muita gente acha que, quando a paixão vai passando, é como se o amor diminuísse também. Apenas o medo diminui. Mas muitas paixões terminam quando os amantes não suportam o que chamo de medo da felicidade. Ele está na raiz do pensamento supersticioso. O olho gordo tem cinco mil anos. O medo da felicidade surge quando estamos no meio de muita coisa boa e temos a impressão de que um raio vai cair na nossa cabeça. Muitos preferem se unir a uma pessoa diferente de si para garantir um pouco de irritação. Ligar-se a uma pessoa antagônica encanta e irrita ao mesmo tempo. Na paixão, as afinidades são enormes, os dois se encaixam maravilhosamente bem e o pânico se instala. As separações ocorrem por isso, e não por causa dos obstáculos.
ISTOÉ – Por isso a maioria dos casais é formada por um egoísta e um generoso?Gikovate – Entre dois egoístas, a relação é impossível. Acontecem muitas brigas. Não dá problema psiquiátrico, mas ortopédico (risos). Quando o egoísta é casado com um generoso, pelo menos este coloca panos quentes. Quase sempre, apaixão ocorre entre dois generosos que acabam deixando de ser generosos.Seriam casais perfeitos se o generoso, tão atrapalhado psicologicamente quantoo egoísta, aprendesse a receber.
ISTOÉ – Como são, afinal, os generosos e os egoístas? Gikovate – O egoísta é estourado, ciumento, gosta de fazer autopromoção, é extrovertido porque não consegue ficar sozinho e intolerante à frustração. Faz o diabo para não se frustrar, inclusive passar por cima dos direitos dos outros. A partir dos seis anos, a criança é capaz de abstrair e se colocar no lugar do outro. Se uma criança vê um menino em uma cadeira de rodas e se imagina em seu lugar, sofrerá com isso. E uma criança que não suporta essa dor interromperá esse processo. Fica com uma visão unilateral do mundo e perpetua um padrão egocêntrico. São pessoas invejosas, embora se mostrem sempre muito bem. Isso confunde até hoje os psicanalistas, que fundaram o conceito de narcisismo.
ISTOÉ – O narcisismo não existe?Gikovate – É um conceito usado para descrever pessoas que têm a posturado “eu sou bacana”, como se elas tivessem realmente esse juízo de si,o que não é verdade. Elas sabem que são um blefe. Fingem superioridadepor se saberem invejosas e ciumentas. Elas precisam receber mais do que recebem. Matematicamente, são pessoas falidas. Podem botar a banca quefor, mas são fracas.
ISTOÉ – E quem são os generosos e por que não devem ser encaradoscomo representantes do bem? Gikovate – O generoso é o inverso do egoísta. Não reage nem quando deveria, não suporta provocar dor na outra pessoa, aceita dócil um monte de contrariedade. Fala um monte de sim quando deveria falar não. Quando você tem oito anos e é um menino bonzinho e seu irmão começa a chorar porque quer uma bola que é sua, você não agüenta o remorso que imagina que vai sentir e dá a bola para ele. Mas não era isso que você queria fazer. Aí a mãe vem e diz que você é legal. O elogio estimula a vaidade, que se acopla à generosidade. É mais uma vez um truque para se sentir superior à custa de uma fraqueza. O generoso também inveja o egoísta, que é capaz de dizer não e goza os prazeres da vida, enquanto o generoso é todo cheio de pudores e constrangimentos. Acabam ficando duas porcarias.
ISTOÉ – A culpa é da sociedade que valoriza a concessão como virtude? Gikovate – Para ter um filho bonzinho, tem que ter um filho pestinha. A mãe poderia chegar para o filho que quer a bola e dizer “não enche o saco, a bola é do seu irmão”. Mas ao reforçar a generosidade de um dos filhos, ela reforça também o egoísmo do outro. Não existe generosidade sem egoísmo. De vez em quando eu assisto a esses programas evangélicos na televisão e penso no que seria deles sem o Satanás. Não haveria programa. Essa dualidade é patética, ridícula. Para poder ser o bonzinho, o bacana, ir para o céu e ser uma teta na qual todos mamam, precisa haver os parasitas que vão lá mamar. Há uma aliança no domínio das elites entre o generoso e o egoísta. Comparo com o sacerdote e o guerreiro. O sacerdote seria o bonzinho e o guerreiro, o mau. Os dois sempre se freqüentaram e compartilharam poder.
ISTOÉ – Lula é mais parecido com o guerreiro ou com o sacerdote? Gikovate – Por seu gênio e temperamento, Lula seria generoso. Mas uma vez no poder... Uma vez li uma entrevista de um filósofo francês que dizia que não existe esquerda no poder. Esquerda, por definição, é uma coisa que está fora do poder, gerando idéias. O poder não é lugar para idéias, mas um local de ação, onde as idéias geradas do lado de fora podem ser aproveitadas. A generosidade é praticamente impossível no poder. Lula é um governante que, como todos, precisa fazer alianças. E nem todos os amigos são generosos. As pessoas mudam de caráter com o passar dos anos e pioram.
ISTOÉ – O sr. ainda se refere ao Lula?Gikovate – Não. Estou falando de maneira geral. Você já ouviu alguém dizer que quem não foi socialista na mocidade e virou um indivíduo pragmático aos 45 anos é um idiota. Como se o idealismo fosse um defeito juvenil que deve ser curado com o tempo até se transformar em egoísmo. Acredito que existe uma terceira instituição para além dessa dualidade. É um indivíduo moralmente sofisticado, nem egoísta nem generoso, que tolera bem a frustração e não sente culpas indevidas, que eu chamo de justo.
ISTOÉ – Será o auge do individualismo?Gikovate – No bom sentido da palavra. Individualismo significa auto-suficiência. Egoísta e generoso não são auto-suficientes. O justo sim. Vai estabelecer relacionamentos nos quais não haverá necessidade de jogos de poder. Ele não dá mais do que recebe nem recebe mais do que dá. O interessante é que a sociedade moderna tende na direção do indivíduo justo.
ISTOÉ – Não caminha para um mundo mais egoísta?Gikovate – Parece que sim, por causa do elogio a essa cultura superficial,ligada à vaidade e à aparência. Mas o fato é que não cabe todo mundo nesse sistema. Não há nem emprego para todos nem tetas suficientes. Quando pensoem individualismo, comparo com o iPod. Você coloca centenas de músicas alidentro e vai para o metrô, onde balança a um som que só você ouve. Dos dez milhões de habitantes de Nova York, três milhões moram sozinhas. São Paulo também é assim. Está se tornando o país dos cachorros. Se os generosos começarem a trocar seus pares egoístas por cachorros, será outro mundo. Até porque os cachorros retribuem. Ao vender iPods, os amantes da sociedade de consumo estão fabricando o germe da destruição do próprio capitalismo. O indivíduo que está mais auto-suficiente sozinho vai consumir menos, porque sua vaidade precisa menos de instrumentos externos. Estará mais perto da felicidade democrática e distante da felicidade aristocrática.
ISTOÉ – Qual a diferença?Gikovate – Não dá para privilegiar coisas que não dão para todo mundo. Até os intelectuais cometem esse erro. Elementos de felicidade aristocrática, como a beleza, a riqueza e a inteligência, condenam à infelicidade o feio, o pobre, o que não teve acesso à educação. Sou favorável às felicidades democráticas, aquelas que dão para todo mundo, como o amor, por exemplo. O justo se satisfaz com isso. Ele não condena ninguém à infelicidade.
ISTOÉ – Como alcançar o mundo dos justos? Gikovate – Todos têm que evoluir. As relações de qualidade serão as únicas estáveis, tanto as de amizade quanto as conjugais. E, quando a educação não parte de dois modelos concorrentes, os filhos saem todos legais. Além disso, é uma estupidez achar que casamentos sem brigas são tediosos. Só é chata a vida entre duas pessoas se elas forem chatas. O tédio deriva da falta de reciclagem por parte dos cônjuges. Mas não quer dizer que as disputas favoreçam a relação.
ISTOÉ – Isso talvez derive da crença de que as disputas funcionam como estímulos sexuais para a maioria das pessoas. Gikovate – Isso não é uma crença. O sexo está acoplado à agressividade em nossa cultura – ele faz parte do domínio do demônio – e se complica um pouco nas relações de boa qualidade. Na nossa cultura, há inveja sempre que existe diferença. Freud falou na inveja do pênis pelas meninas. Na adolescência, os meninos passam a invejar o poder atraente das garotas. Aí, as meninas se tornam objetos de desejo e os homens ficam babando. É a origem do machismo e das piadas em relação às mulheres. O machão tem raiva e desejo pela mulher. Isso não significa que não pode haver sexo sem ódio.
ISTOÉ – Caminhamos para isso?Gikovate – Sim. O mundo moderno desvincula sexo de agressividade, apesar do sistema capitalista, que sonha com a infelicidade humana. A infelicidade dá dinheiro não só para os meus colegas (psicoterapeutas), mas também para a indústria. O ficar altera completamente essa relação de ódio e inveja. Na idade em que os meninos babavam pelas meninas, eles já as beijam. Pela primeira vez, um menino de 14 anos exerce sua sexualidade com alguém da mesma idade e da mesma classe social. Sem pagar. Os meninos não correm tão vorazes atrás das mulheres. Alguns pais às vezes trazem seus filhos para meu consultório com medo de que eles sejam homossexuais. “Não esquenta a cabeça, tio. Vai pintar”, dizem. Hoje, eles se dão ao direito de esperar que as meninas se aproximem.
ISTOÉ – O generoso no ambiente conjugal pode ser egoísta nos negócios?Gikovate – Isso é raro. Mas o generoso é esperto. Ele faz alianças de alta conveniência. Associa-se aos egoístas, que fazem as maracutaias, e ele se beneficia. O sócio é um safado que faz negócios ilícitos, mas ele aproveita odinheiro, sendo sempre o bonzinho. O generoso é um oportunista disfarçado.Dá uma casa bonita para a família mas mora nela. Diz que não se incomodaem morar em um “moquifo”, mas tem dificuldade de se separar e abrirmão da casa. É tudo espetáculo.
ISTOÉ – Por falar em espetáculo, Ronaldo e Cicarelli se encaixam no modelo? Gikovate – Olhando de fora, parecem dois egoístas que não agüentam ficar juntos mais do que serve aos interesses recíprocos. Talvez Ronaldo coloque mais seus interesses acima de tudo. Tenho a impressão de que a Milene (sua primeira mulher) era mais tolerante. Mesmo assim, ela não o agüentou. Daí ele arrumou uma que é da mesma categoria que ele. Três meses foi até muito. Não deu nem tempo de terem problemas ortopédicos (risos).

19 maio 2005

Será que eu consigo colocar uma foto?


Vamos ver se eu consegui:


Ou você está me vendo (eu sou o da esquerda, tá) ou está vendo um monte de letras e números...

Quem é Anderson Brasil ?

Ou como dizem os americanos: "Who´s Anderson Brasil?"
Quer dizer, só escrevi esta bagaça para estrear o blog.
Vamos ver no que isso vai dar...