14 outubro 2007

A realidade, só a realidade
Tropa de Elite, o filme mais visto e mais comentado da história do cinema brasileiro, é uma obra de ficção. Mas retrata com uma fidelidade jamais vista como acriminalidade degradou o Brasil de alto a baixo
Marcelo Carneiro

Divulgação
Para ser qualificada de grande, uma obra de arte precisa estabelecer conexões profundas com as pessoas. Ao analisar o papel das tragédias teatrais, por exemplo, o filósofo grego Aristóteles concluiu que elas acabavam por purificar os espectadores quando lhes causavam sentimentos de terror e compaixão. Isso porque, depois de experimentá-los, as pessoas sairiam aliviadas, purgadas dos próprios pesadelos. Aristóteles chamou a isso catarse. O tipo de conexão proporcionado por Tropa de Elite, do diretor José Padilha, é de outra ordem. Trata-se de um grande filme justamente pelo contrário: ele não concede válvulas de escape ao retratar como a criminalidade degradou o país de alto a baixo. O pesadelo real ganha ainda mais nitidez. A sociedade brasileira, pelo jeito, ansiava por esse tapa na cara dado pelo capitão Nascimento, o policial interpretado magistralmente por Wagner Moura. Lançado há apenas duas semanas, Tropa de Elite já é o filme mais visto e comentado da história do cinema brasileiro. As salas de exibição lotam em todas as sessões e estima-se que mais de 11 milhões de pessoas tenham assistido ao filme em DVDs piratas que inundaram os camelôs de várias capitais do país. Gírias policiais reproduzidas no filme e trechos de diálogos entre os personagens – como "pegou geral" e "01 pede pra sair" – tornaram-se bordões repetidos nas mais diversas situações.
O assunto da obra do diretor José Padilha é a guerra diuturna que a polícia carioca move contra os traficantes de drogas encastelados nos morros favelizados da cidade. Mais especificamente o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), a tropa de elite do título. O tráfico de drogas, o nervo mais exposto de um país em desordem e refém do medo (veja o quadro), é tema comum na cinematografia nacional recente. A diferença é que esse filme o aborda pondo os pingos nos is. Bandidos são bandidos, e não "vítimas da questão social". Há policiais corruptos, mas também muitos que são honestos. Se existem traficantes de cocaína e maconha, é porque há milhares de consumidores que os bancam. Muitos desses consumidores, aliás, são aqueles mesmos que fazem "passeatas pela paz" e compactuam com a bandidagem para abrir ONGs em favelas. Por último, a brutalidade de alguns policiais pode ser explicada pelo grau de penúria e abandono que o estado lhes reserva.

Fotos Ricardo Moraes/AP
MISSÃO DADA É MISSÃO CUMPRIDAPoliciais do Bope carregam corpo de traficante morto em confronto: tropa treinada para não fazer reféns
Ditas de maneira tão simples, essas verdades parecem de uma obviedade ululante. E são. Mas o Brasil, infelizmente, é um país de idéias fora do lugar por causa da afecção ideológica esquerdista que inverte papéis, transformando criminosos em mocinhos e mocinhos em criminosos. Aqui, a "questão social" é justificativa para roubos, assassinatos e toda sorte de crime e contravenção – mesmo quando praticados por quadrilhas especializadas, compostas por integrantes que nada têm de coitadinhos. O apresentador Luciano Huck que o diga. Dois ladrões roubaram-lhe um relógio caro em São Paulo e ele, indignado, atreveu-se a escrever um artigo no jornal Folha de S. Paulo para reclamar da falta de segurança. Por ser um homem rico, da elite, Huck sofre um linchamento moral. Há até quem pergunte se ele "mereceu ser roubado". Existe quem mereça?

UM PAÍS COM MEDOCidadãos na linha de tiro, em confronto entre policiais e bandidos no Rio de Janeiro: para a maioria esmagadora da população, não há dúvida de quem são os vilões
Tentaram fazer o mesmo com Tropa de Elite. Os ideólogos que o rotularam de "fascista" viram-se, porém, obrigados a dobrar-se ao sucesso do filme. Na semana passada, a pedido de VEJA, o instituto Vox Populi realizou uma pesquisa para medir o impacto de Tropa de Elite nos espectadores. Os resultados indicam por que o filme é arrebatador. Na opinião de 72% dos entrevistados, os criminosos que aparecem no filme são tratados como merecem. Quase 80% deles concordam que a polícia é apresentada com fidelidade – ou seja, tem uma banda podre e uma banda boa. Tropa de Elite agrada também por abordar a responsabilidade dos usuários de drogas sem meias palavras. O capitão Nascimento diz que o "playboy" que fuma um cigarro de maconha é o responsável pela morte de um traficante abatido pelo Bope. A afirmação encontra eco na população. Para 85% dos espectadores, o raciocínio do capitão Nascimento está correto. O policial vivido por Wagner Moura ganhou enorme popularidade, mas isso não significa que todas as pessoas enxerguem num Rambo a solução para problema tão complexo como o da criminalidade. Na opinião de 53% dos entrevistados, o capitão é um herói, mas 43% rejeitam essa idéia, embora o vejam com relativa simpatia. As características do personagem ajudam a explicar tal divisão. Nascimento é um ser humano devastado. Sofre de síndrome do pânico, consome vorazmente remédios de tarja preta e suas explosões freqüentemente resultam em ações que extrapolam o manual do Bope.
Na pesquisa encomendada por VEJA, chama atenção o fato de 51% dos espectadores desaprovarem a tortura como um meio de extrair confissões de criminosos. É uma maioria pequena – 47% aprovam esse método desumano –, mas que aponta no sentido da civilização. Seria até de esperar que o desespero dos brasileiros em relação à segurança se traduzisse numa proporção ainda mais larga de pessoas adeptas da tortura policial. É bom que se diga: em nenhum momento, Tropa de Elite legitima o uso da tortura, o que seria deplorável. Apenas mostra como o descaso e a barbárie podem animalizar agentes da lei. "Como está dito no filme, o policial tem três escolhas: ou ele se corrompe, ou se omite ou vai para a guerra", afirma o diretor José Padilha. O Brasil só tem duas escolhas: ou derrota os criminosos ou é derrotado por eles. Pela acolhida que o filme está recebendo, os brasileiros não têm a menor dúvida do caminho a seguir.

Recorde de contravenção
Tropa de Elite já conta com milhões de espectadores. Mas poucos deles pagaram pelo ingresso de cinema
Silvia Izquierdo/AP
DINHEIRO QUE O DIRETOR NÃO VIUCópias pirateadas de Tropa de Elite apreendidas: um prejuízo em bilheteria e impostos difícil de calcular
Quando receberam os resultados de uma pesquisa feita pelo Ibope na semana passada, os produtores de Tropa de Elite encontraram ali um número animador: 35% dos entrevistados declararam que pretendem assistir ao filme no cinema – o que equivaleria a algo como acachapantes 22 milhões de indivíduos. Outro número contido na pesquisa, porém, é ainda mais assombroso. Estima-se que mais de 11 milhões de pessoas já tenham visto o filme, embora ele tenha estreado há dias apenas. Como? Em cópias ou downloads piratas, claro. "Na primeira batida policial, foram apreendidos milhares de DVDs. No dia seguinte, os camelôs voltaram às ruas alardeando 'o filme que a polícia quer proibir'. Venderam o dobro", conta o diretor José Padilha, que diz ter levado "um banho de criatividade" do comércio ilegal. O qual, a esta altura, já fez de Tropa de Elite um sucesso também nas ruas de Moçambique, Angola e Portugal.
É impossível calcular as perdas que o estouro de Tropa de Elite na pirataria representa, em bilheteria, em impostos e em concorrência desleal com os comerciantes que pagam suas taxas. Padilha acha que essa febre provocada por seu filme contém algumas mensagens: existe uma enorme demanda por filmes nacionais que saibam do que e como falar ao público; e os exibidores e distribuidores estão perdendo boas oportunidades de atender a essa demanda e faturar com ela, baixando preços de ingressos e DVDs para ganhar em escala. Enfim, por meios estritamente legais. Pirataria é crime organizado, tanto quanto o tráfico de drogas. Na melhor das hipóteses, já começa por envolver corrupção e conspiração criminosa. "Não vou dar nome aos bois (o nome, no caso, seria o do ministro Gilberto Gil), mas há pessoas sugerindo por aí que a pirataria é uma forma democrática de disseminação da cultura. Isso é loucura. Não se pode ter posição dúbia quanto a isso: a única cultura que a pirataria dissemina é a da contravenção", diz Padilha. E vale lembrar que, também como no caso das drogas, é o usuário recreativo (aqui, na acepção da palavra) que sustenta essa organização criminosa, com seus 5 reais aqui, 5 reais ali.


Máquina letal contra o crime
Treinamento exaustivo e código de conduta rigoroso fazem do Bope uma das melhores tropas do mundo
Ronaldo Soares

Marcos Tristão/Ag. O Globo
BANDIDOS NA MIRA A popularidade do batalhão está em alta depois do filme: mais de 400 e-mails diários com elogios e pedidos de informação
De todas as platéias de Tropa de Elite, a mais sensível é formada pelos próprios policiais do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), do Rio de Janeiro. Eles se dividem. Têm orgulho por haver sido retratados como salvadores da pátria no caótico cenário da violência urbana. Por outro lado, dizem que há muito exagero em algumas cenas que mostram como a tropa atua. Olhado sem paixão, o filme é um retrato bastante fiel – para o bem e para o mal – da conduta do batalhão, mesmo com a ação se passando dez anos atrás. Na semana passada, VEJA ouviu ex-integrantes da unidade e pessoas que acompanham de perto sua rotina, para avaliar a verossimilhança das cenas. "É tudo verdade. E ainda tem mais", afirmou um ex-oficial, sob a condição de não ser identificado. O treinamento pode incluir sessões de choques elétricos e afogamentos, noites inteiras de imersão na água gelada de um rio e o golpe conhecido como "telefone", que em duas ocasiões causou perfuração de tímpano. Cenas como a da comida jogada no chão e a dos tapas na aula inaugural retratam quase à perfeição o cotidiano do batalhão.
O treinamento, rigorosíssimo, é também o que diferencia o Bope do restante da polícia (veja quadro abaixo). Existem dois cursos preparatórios para ingressar na unidade. Para inscrever-se, o voluntário tem de ter pelo menos dois anos de Polícia Militar. O mais longo, no qual o filme se baseia, dura três meses e é o mais truculento. Nele, o soldado ganha experiência em operações de alto risco em favelas, na selva ou em regiões montanhosas. "Nesse curso, a rotina do aluno é quebrada. Ele dorme muito pouco, se é que dorme, alimenta-se muito pouco, quando se alimenta, e é submetido a tarefas extenuantes", diz o comandante do Bope, o coronel Pinheiro Neto. A tese é que, ao passar por situações de extrema privação e humilhação, o aluno aprende a controlar melhor sua agressividade. Como boa parte do curso acontece no meio da mata, durante o inverno, próximo a uma represa no interior do Rio, o aluno fica conhecendo ali uma das máximas do Bope: "O inferno não é feito de fogo. Ele é verde, frio e molhado". Apenas 20% dos que entram nesse curso vão até o fim. Houve o caso de um aluno que não voltou para casa: morreu afogado, depois de um treinamento que o obrigou a ficar um bom tempo nas águas geladas de uma represa.
Quem consegue superar esse inferno passa a integrar uma tropa considerada hoje uma das melhores em operações de conflito armado em áreas urbanas. "Existe um reconhecimento mundial do padrão de excelência do Bope", diz Leonardo Barreto, ex-tenente do Exército que já fez cursos com polícias especializadas nos Estados Unidos, Israel, Itália e Espanha. Quando está de serviço, o policial fica 24 horas de prontidão – a média é de uma operação por dia. Quando não há missão, treina-se o tempo todo. Com sua expertise, o grupo já formou mais de 2.000 homens, entre policiais de outros estados, agentes federais e militares. Na semana que vem, 160 homens da Força de Paz do Exército passarão por um período de aperfeiçoamento no Bope, antes de seguir para missões no Haiti e no Sudão.
O batalhão foi criado em 1978, quando a polícia fluminense decidiu montar uma unidade de elite para operações de resgate de reféns. Com a explosão da criminalidade nos anos 80 e 90, o grupo se especializou em enfrentar bandidos em favelas. A tropa atual, com 400 homens, fica baseada em um prédio no alto de um morro em Laranjeiras, na Zona Sul. Ali a vizinhança é heterogênea. De um lado fica a favela Tavares Bastos, onde o Bope realizou um trabalho que os policiais batizaram de "assepsia" – ou seja, a expulsão dos traficantes. Do outro lado do morro ficam as mansões do Parque Guinle, área nobre que inclui o Palácio das Laranjeiras, residência oficial do governador do Rio, Sérgio Cabral.
Depois do filme, o Bope virou um sucesso de público. A média de e-mails enviados à unidade, que até então era de 400 por semana, passou a 400 por dia. São mensagens de felicitações pelo combate ao crime e pedidos de visita ao batalhão. Houve até universitários interessados em desenvolver teses acadêmicas sobre os homens de preto do Bope. Outra amostra de popularidade se deu no desfile de 7 de Setembro, no Centro do Rio, quando a tropa foi ovacionada pelo público, enquanto algumas autoridades foram vaiadas. No embalo da lua-de-mel vivida com a população, um tabu está prestes a ser quebrado: no ano que vem, pela primeira vez na história do Bope será ministrado um curso só para mulheres. Mas a reputação nem sempre foi essa. O batalhão ficou nacionalmente conhecido em 2000, por causa de uma operação desastrosa. Ao tentar libertar a professora Geisa Gonçalves, refém do assaltante Sandro do Nascimento no ônibus 174, um policial errou o alvo, permitindo que Sandra fosse morta pelo bandido. Para piorar, o assaltante, depois de dominado, chegou ao hospital morto por asfixia. Os envolvidos foram absolvidos, mas o episódio manchou a reputação da unidade.
O padrão de excelência ostentado hoje também é fruto de uma atitude mais rigorosa em relação aos maus policiais. No batalhão, o policial é excluído ao menor sinal de irregularidade. "Uma simples suspeita é o suficiente para que o policial seja afastado, mesmo que ela não fique totalmente comprovada. Não pode pairar nenhuma desconfiança sobre um homem do Bope", diz o coronel Mário Sérgio Duarte, ex-comandante da unidade. Nos últimos quatro anos, pelo menos 43 policiais foram afastados, seja por baixa qualidade técnica, seja por desvios de conduta. Entre as supostas irregularidades havia suspeita de ligação com o jogo do bicho e de desvio de material da polícia. Quanto à conduta informal de asfixiar bandidos com sacos plásticos, como método de arrancar confissões, ninguém foi afastado do Bope por empregá-la.

Abaixo a mitologia da bandidagem
Tropa de Elite não rompe só com a tradição nacional de narrar uma história do ponto de vista do bandido:rompe com a visão pia e romantizada do criminoso
Isabela Boscov
Fotos divulgação e Embrafilme
DE REBELDES A MAUS ELEMENTOS Paulo Villaça em O Bandido da Luz Vermelha, de 1968, e Reginaldo Faria em Lúcio Flávio, de 1977: criminosos sem dúvida, mas também inconformistas, uma visão que Cidade de Deus (acima) começou a desmistificar
Cenas chocantes não faltam em Tropa de Elite. Uma delas é abissal – não pela violência, mas pela inversão moral que representa. Baiano, chefe do tráfico em um morro, descobre que Matias, o namorado de uma estudante que trabalha numa ONG na favela (e que consome sua mercadoria), é policial. Baiano encurrala a moça e os amigos dela, exigindo uma resposta: com quem, afinal, eles "fecham"? Com ele ou com a polícia? Com ele, é claro, responde o contingente zona-sul. Que fala com sinceridade, não apenas por medo, mas porque a esses garotos e garotas de fato parece impensável alinhar-se com a autoridade e seu suposto fascismo.
Também o cinema brasileiro "fechou" com os bandidos. Ele os prefere por razões que vão de hábitos criativos à ideologia e às circunstâncias históricas do Brasil – remotas e presentes. A romantização do crime teve seu primeiro momento forte nas décadas de 60 e 70, quando a ditadura militar deu à autoridade policial contorno arbitrário. O Bandido da Luz Vermelha, O Assalto ao Trem Pagador e Lúcio Flávio – O Passageiro da Agonia marcaram época nas salas de exibição. Hoje, de Cidade de Deus e Carandiru a Cidade dos Homens, a vida do ponto de vista do crime, ou de quem existe na sua proximidade, permanece talvez o maior tema do cinema nacional. Tropa de Elite é uma exceção no empenho em observar o caos brasileiro por um prisma diverso.
A missão que Tropa de Elite cumpre agora foi iniciada por Cidade de Deus, que desmantelou os estereótipos do criminoso coitado e do bandido camarada (figuras que, logo a seguir, Carandiru reinstauraria com veemência). No cinema da "retomada", o filme de Fernando Meirelles foi pioneiro em demonstrar que o crime tem, sim, mil maneiras de seduzir jovens e pobres – mas, salvo uma minoria, a quem as circunstâncias acuam de modo inescapável, pode-se não aceitar esse convite. Esse raciocínio domina também Tropa de Elite. Meirelles e Padilha, assim, estão solitários no seu rompimento com a visão praticada pela maioria dos cineastas brasileiros. A qual, em última análise, mitiga sempre a opção pelo crime em face da pobreza e "alivia" o bandido mesmo quando não haveria o que "aliviar".
Resumir toda a atitude de uma cinematografia perante a lei, a autoridade e a Justiça obriga a generalizações. Mas o que se obtém de um balanço entre o cinema nacional e o cinema americano são concepções opostas do lugar que a lei ocupa na sociedade. Desde os velhos faroestes, a produção americana é dominada pela idéia de contrato social: o país só nasce e subsiste na medida em que os homens abdicam de fazer justiça pelas próprias mãos e transferem esse poder aos "homens da lei". Esse pacto pode ser traído, subvertido, posto em questão – por facínoras, xerifes corruptos ou justiceiros. No entanto, o importante é reafirmá-lo e, assim, preservar a sociedade.
Isso não é sinônimo de maniqueísmo. O cinema americano comporta uma miríade de retratos de criminosos e de policiais, dos mais esquemáticos aos mais matizados. O que o distingue do brasileiro é que ele provavelmente retrata mais policiais do que criminosos – e não só em filmes do gênero. Com grande freqüência, o policial conduz dramas, porque é possível enxergar nele, honesto ou corrupto que seja, um personagem rico em dilemas – não apenas a figura do bufão, do seboso ou do fascista, tão comuns na produção nacional. Muitos viraram mitos, do inflexível xerife Wyatt Earp, que já pipocou em filmes diversos, ao personagem-título de Serpico, baseado no caso real de um detetive que delatou toda uma vasta rede de corrupção na polícia de Nova York. Ao contrário destes, o Dirty Harry interpretado por Clint Eastwood em Perseguidor Implacável – que, no início dos anos 70, foi tão controverso quanto Tropa de Elite – e numa série de outros filmes não foi uma figura verídica. Mas, até hoje, seu nome serve para definir um certo tipo de agente da polícia, que não tem paciência para com as regras judiciais e da corporação e usa de métodos próprios (leia-se, truculência) para fazer justiça às vítimas do crime.
Em outro filme de Eastwood, Os Imperdoáveis, Gene Hackman eternizou uma estirpe bem diversa de homem da lei – aquele que acha que a lei não se aplica, por exemplo, ao sujeito que mutilou uma prostituta. Quando todo o bordel se cotiza para contratar um pistoleiro que corrija a situação, tem-se um exemplo cristalino da importância da idéia do contrato social. Prostitutas também votam em xerifes, e portanto exigem a justiça que lhes é devida, ainda que por meios anômalos. A sociedade, enfim, está longe de ser perfeita – mas o cancelamento de seus acordos básicos seria ainda pior. No cinema brasileiro, prevalece a idéia oposta: a de que a sociedade é essencialmente má. Em parte, essa visão decorre de o Brasil ser de fato injusto; mas é sobretudo um resquício encarquilhado de esquerdismo: se a sociedade é ruim, jogue-se a sociedade fora.
No cinema brasileiro, o bandido foi, antes de tudo, um romântico, um inconformista. Isso, até agora. O impacto de Tropa de Elite mostra com clareza que o cinema nacional precisa de uma nova sociologia. A platéia sabe que escolher entre uma polícia corrupta e uma polícia violenta não é escolha. Mas dá sinais de que não quer mais ver a bandidagem mitificada.

Artigo: Reinaldo Azevedo Capitão Nascimento bate no Bonde do Foucault

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Nunca antes neste país um produto cultural foi objeto de cerco tão covarde como Tropa de Elite, o filme do diretor José Padilha. Os donos dos morros dos cadernos de cultura dos jornais, investidos do papel de aiatolás das utopias permitidas, resolveram incinerá-lo antes que fosse lançado e emitiram a sua fatwa, a sua sentença: "Ele é reacionário e precisa ser destruído". Num programa de TV, um careca, com barba e óculos inteligentes, índices que denunciam um "inteliquitual", sotaque inequívoco de amigo do povo, advertia: "A mensagem é perigosa". Outro, olhar esgazeado, sintaxe trêmula, sonhava: a solução é "descriminar as drogas". E houve quem não resistisse, cravando a palavra mágica: "É de direita". Nem chegaram a dizer se o filme – que é entretenimento, não tratado de sociologia – é bom ou não.
Seqüestrado pelo Bonde do Foucault (já explico o que é isso), Padilha foi libertado pelo povo. A pirataria transformou seu filme num fenômeno. A esquerda intelectual, organizada em bando para assaltar a reputação alheia (como de hábito), já não podia fazer mais nada. Pouco importava o que dissesse ou escrevesse, o filme era um sucesso. Derrotada, restou-lhe arrancar, como veremos, do indivíduo Padilha o que o cineasta Padilha não confessou. Por que tanta fúria? A resposta é simples: Tropa de Elite comete a ousadia de propor um dilema moral e de oferecer uma resposta. Em tempos de triunfo do analfabetismo também moral, é uma ofensa grave.
Qual dilema? Não há como ressuscitar o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), mas podemos consultar a sua obra e então indagar ao consumidor de droga: "Você só pratica ações que possam ser generalizadas?". Ou por outra: "Se todos, na sociedade, seguirem o seu exemplo, o Brasil será um bom lugar para viver?". O que o pensamento politicamente correto não suporta no Capitão Nascimento, o anti-herói com muito caráter, não é a sua truculência, mas a sua clareza; não é o seu defeito, mas a sua qualidade. Ele não padece de psicose dialética, uma brotoeja teórica que nasce na esquerda e que faz o bem brotar do mal, e o mal, do bem. Nascimento cultua é o bom paradoxo. Segue a máxima de Lúcio Flávio, um marginal lendário no Brasil, de tempos quase românticos: "Bandido é bandido, polícia é polícia".
A cena do filme já é famosa: numa incursão à favela, o Bope mata um traficante. No grupo de marginais, há um "estudante". Aos safanões, Nascimento lhe pergunta, depois de enfiar a sua cara no abdômen estuporado do cadáver: "Quem matou esse cara?". Com medo, o rapaz engrola uns "não sei, não sei". Alguns tapas na cara depois, acaba respondendo: "Foram vocês". E ouve do capitão a resposta que mais irritou o Bonde do Foucault: "Não! Foi você, seu maconheiro". Nascimento, quem diria?, é um discípulo de Kant. Um pouco desastrado, mas é. A narrativa é sempre pontuada por sua voz em off. Num dado momento, ele faz uma indagação: "Quantas crianças nós vamos perder para o tráfico para que o playboy possa enrolar o seu baseado?".
O Bope que aparece no filme de Padilha é incorruptível, mas violento. O principal parceiro de Nascimento chega a desistir de uma ação porque não quer compactuar com seus métodos, que, fica claro, são ilegais. Trata-se de uma mentira torpe a acusação de que o filme faz a apologia da tortura. Ocorre que o ódio que a patrulha ideológica passou a devotar à obra não deriva daí. Isso é pretexto. O que os "playboys" do relativismo rejeitam é a evocação da responsabilidade dos consumidores de droga na tragédia social brasileira. Nascimento invadiu a praia do Posto 9, em Ipanema.
Já empreguei duas vezes a expressão "Bonde do Foucault" para me referir à quadrilha ideológica que tentou pôr um saco da verdade na cabeça de Padilha: "Confesse que você é um reacionário". "Bonde", talvez vocês saibam, é como se chama, no Rio de Janeiro, a ação de bandidos quando decidem agir em conjunto para aterrorizar os cidadãos. Quem já viu Tropa de Elite sabe: faço alusão também a uma passagem em que universitários – alguns deles militantes de uma ONG e, de fato, aliados do tráfico – participam de uma aula-seminário sobre o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984). Falam sobre o livro Vigiar e Punir, em que o autor discorre sobre a evolução da legislação penal ao longo da história e caracteriza, de modo muito crítico, os métodos coercitivos e punitivos do estado.
No Brasil, os traficantes de idéias mortas são quase tão perigosos quanto os donos dos morros, como evidenciam nossos livros didáticos. Foucault sempre foi um incompreendido. Por que digo isso? Porque ele era ainda mais picareta do que seus críticos apontaram. No filme, aluna e professor fazem um pastiche de seu pensamento, e isso serve de pretexto para um severo ataque à polícia, abominada pelos bacanas como força de repressão a serviço do estado e suas injustiças. Sim, isso pode ser Foucault, mas Foucault era pior do que isso. Em Vigiar e Punir, ele fica a um passo de sugerir que o castigo físico é preferível às formas que entende veladas de repressão postas em prática pelo estado moderno. Lixo.
O personagem Matias, um policial que faz o curso de direito, é o elo entre o Capitão Nascimento, o kantiano rústico, e esse núcleo universitário. A seqüência em que essas duas éticas se confrontam desmoraliza o discurso progressista sobre as drogas e revela não a convivência entre as diferenças, mas a conivência com o crime de uma franja da sociedade que pretende, a um só tempo, ser beneficiária de todas as vantagens do estado de direito e de todas as transgressões da delinqüência. Por isso o "Bonde do Foucault" da imprensa tentou fazer um arrastão ideológico contra Tropa de Elite. Quem consome droga ilícita põe uma arma na mão de uma criança. É simples. É fato. É objetivo. Cheirar ou não cheirar é uma questão individual, moral, mas é também uma questão ética, voltada para o coletivo: em qual sociedade o consumidor de drogas escolheu viver? Posso assegurar: não há livro de Foucault que nos ajude a responder.
Derrotada, a elite da tropa esquerdopata não desistiu. José Padilha e o ator Wagner Moura foram convocados a ir além de suas sandálias. Assim como um juiz só fala nos autos, a voz que importa de um artista é a que está em seu trabalho. Ocorre que era preciso uma reparação. A opinião de ambos – ligeira e mal pensada – favorável à descriminação das drogas ameaçou, num dado momento, sobrepor-se ao próprio filme. Observem: Tropa de Elite trata é da falência de um sistema de segurança em que, segundo Nascimento, um policial "ou se corrompe, ou se omite, ou vai para a guerra".
A falha desse sistema independe do crime que ele é chamado a reprimir. Se as drogas forem liberadas e aquela falha permanecer, os maus policiais encontrarão outras formas de extorsão e associação com o crime. E esse me parece um aspecto importante do filme, que tem sido negligenciado. Um dos lemas da tropa é "No Bope tem guerreiros que acreditam no Brasil". Esse patriotismo ingênuo e retórico tem fôlego curto: um dos soldados da equipe morre, e seu caixão está coberto com a bandeira brasileira. Solene e desafiador, Nascimento chega ao velório e joga sobre o "auriverde pendão da esperança" a assustadora bandeira do Bope: um crânio fincado por uma espada, atrás do qual se cruzam duas pistolas. Outro dos refrões do grupo pergunta e responde: "Homem de preto, qual é sua missão? / Entrar na favela e deixar corpo no chão / Homem de preto, o que é que você faz? / Eu faço coisas que assustam satanás". Resta evidente que o filme não propõe este Bope como modelo de polícia.
Pouco me importa o que pensam Padilha e Moura. O que interessa é o filme. E o filme submete a um justo ridículo a sociologia vagabunda que tenta ver a polícia e o bandido como lados opostos (às vezes unidos), mas de idêntica legitimidade, de um conflito inerente ao estado burguês. O kantiano rústico "pegou geral" o Bonde do Foucault.

15 abril 2006

Lula e a Rainha


PAPO "CABEÇA"

Por absoluta falta de assunto, Lula puxou conversa com a Rainha Elizabeth II:
-A Senhora é parente do Zé?
-Que Zé?
-O Zé Rainha, pôrra!!!

14 abril 2006

"Coelhinho da Páscoa o que trazes prá mim..."


Olha só a cara do pivete...
Pior que isso só os Papais Noéis fajutos com barba postiça que invadem os Shoppings todo fim-de-ano.
Isso cria um trauma nas crianças...

Anderson Brasil

13 abril 2006

A moeda


Um rico fazendeiro casou-se com uma mulher muito pobre. Deu casa, carro e emprego para os familiares da esposa. Todos ficaram felizes e muito bem de vida.
Mas um certo dia, a mulher procurou seus familiares e disse: Não aguento mais meu marido. Vou me separar dele!!
O pai, imediatamente, indagou: Mas minha filha! Ele é um bom homem, te ama, te respeita, não anda com outras mulheres... Por que isto agora?
E a filha respondeu: Não aguento mais!! Meu marido só quer fazer sexo anal. Não posso me abaixar para pegar nada que lá vem ele por trás e ...Quando me casei, meu cuzinho parecia uma moeda de dez centavos, agora parece uma moeda de um Real.
O pai concluiu:- minha filha! Vai arrumar encrenca por causa de noventa centavos???

08 abril 2006

Alckmin & a Opus Dei

O governador e a Obra - As ligações do candidato a presidente do Brasil com a organização católica Opus Dei (Obra de Deus)

Revista Época
Eliane Brum e Ricardo Mendonça

"O governador paulista, Geraldo Alckmin, é um dos políticos brasileiros com ligações mais estreitas com a Obra. Elegeu Caminho, o guia escrito pelo fundador Josemaría Escrivá, como seu livro de cabeceira. ‘Acostuma-te a dizer que não’ é um dos ensinamentos que mais aprecia, conforme contou em entrevistas à imprensa. Um popular sacerdote da Opus Dei, o padre José Teixeira, foi seu confessor. Nos últimos anos Alckmin tem recebido formação cristã no Palácio dos Bandeirantes de um influente numerário, o jornalista Carlos Alberto Di Franco. ‘Laboriosidade’ foi o tema de um dos últimos encontros.
A reunião é chamada informalmente de Palestra do Morumbi, numa alusão ao bairro onde se localiza a sede do governo do Estado de São Paulo. Alckmin e um grupo de empresários, advogados e juristas recebem preleções de cerca de 30 minutos sobre virtudes cristãs, seguidas de uma troca de impressões. O encontro periódico, realizado à noite, começou numa sala reservada do palácio e depois foi transferido para a ala residencial.
A idéia, segundo Di Franco, surgiu de uma conversa do governador com o padre Teixeira. Alckmin aproximou-se do sacerdote da Obra anos atrás por orientação de sua prima em primeiro grau, a numerária Maria Lúcia Alckmin - que, por coincidência, tem o mesmo nome da primeira-dama. ‘Ele me ligou um dia, quando ainda era vice-governador, e perguntou se eu conhecia um sacerdote com quem pudesse se confessar. Eu indiquei o padre Teixeira’, conta Maria Lúcia. O religioso promoveu a amizade entre Alckmin e Di Franco. Um dos participantes do encontro, o desembargador aposentado e professor de Direito da USP Paulo Fernando Toledo, diz que o governador tucano é um dos ‘alunos’ mais aplicados: ‘Ele toma nota de tudo’. Outro membro do grupo, José Conduta, dono da corretora Harmonia, relata que Alckmin não faltou a nenhuma reunião, mesmo quando disputava a reeleição, em 2002. ‘Me surpreendia o fato de ele encontrar agenda’, comenta.
Entre os membros do Círculo, como é chamado o encontro, estão João Guilherme Ometto, vice-presidente da Fiesp, Benjamin Funari Neto, ex-presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica, e Márcio Ribeiro, ligado à indústria têxtil. Todos são católicos praticantes e alguns deles colaboradores da Futurong - obra social idealizada pelo padre Teixeira que atende 285 crianças e adolescentes na periferia de São Paulo.
Os laços do governador com o Opus Dei iniciaram-se com a família. Seu tio, José Geraldo Rodrigues de Alckmin (1915-1978), ministro do Supremo Tribunal Federal indicado ao cargo pelo então presidente, general Emílio Garrastazu Médici, foi o primeiro supernumerário do Brasil. Mas foi o pai do governador, Geraldo José, quem lhe trouxe, pela primeira vez, um conselho extraído do Caminho. Alckmin carrega o bilhete com o ensinamento número 702 de Escrivá na carteira há quase 30 anos. O pai não pertencia ao Opus Dei, mas à Ordem Terceira de São Francisco. Quando era prefeito de Pindamonhangaba, em 1978, data do cinqüentenário da Opus Dei, Alckmin homenageou Escrivá batizando uma rua da cidade com seu nome.
Primo do governador, o ex-numerário José Geraldo Alckmin (os nomes José Geraldo e Geraldo José são repassados a cada geração) diz que a ligação se iniciou com a necessidade de anulação do primeiro casamento de dona Lu Alckmin. ‘Ela casou-se e foi para Londres com o marido. Quando chegou, descobriu que ele vivia numa comunidade hippie. Voltou para o Brasil e namorou meu primo’, conta. ‘Como meu tio é muito católico, queria um casamento religioso. Foi aí que entrou o Opus Dei, para obter a anulação.’ A prima Maria Lúcia nega que a Obra tenha intercedido junto ao Vaticano. ‘Foi um reconhecimento de nulidade do matrimônio e não vejo nenhuma possibilidade de o Opus Dei ter definido isso’, afirma. Alckmin e dona Lu casaram-se em 16 de março de 1979.
ÉPOCA solicitou uma entrevista com o governador sobre sua relação com o Opus Dei, por meio de sua assessoria, repetidas vezes. A primeira foi há quatro semanas. Não obteve resposta. Na entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em dezembro, no qual Alckmin anunciou publicamente que era candidato à Presidência, o editor de ÉPOCA Guilherme Evelyn perguntou sobre sua ligação com a Obra. O governador disse apenas que seu tio era da Opus Dei e seu pai franciscano. Em seguida, declarou-se amigo do rabino Henry Sobel e fez uma preleção sobre preconceito e pluralidade religiosos."
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Entrevista com a professora universitária Maria Lúcia Alckmin
"A professora universitária Maria Lúcia Alckmin tornou-se numerária aos 18 anos. Declara-se absolutamente feliz com sua escolha. Como todo membro da Opus Dei, pensa com a Igreja mesmo nos assuntos mais polêmicos. Confira.
ÉPOCA - Por que a senhora é contra a contracepção artificial?
Maria Lúcia - Quando se abre uma fresta em relação ao valor da vida, atrás dela vem uma avalanche. Existem métodos de contracepção natural absolutamente confiáveis. O objetivo da contracepção artificial é conceber quando não atrapalha.
ÉPOCA - Deveria atrapalhar?
Maria Lúcia - O triste é achar que um filho atrapalha. Quando se evita o filho pelo bem dele, porque os pais não têm condições de educar, é correto. Mas, quando é simplesmente porque não quer, é egoísmo.
ÉPOCA - Mas se a razão é correta, como a senhora diz, qual é a diferença entre usar pílula ou tabelinha?
Maria Lúcia - Há uma exclusão de Deus no método artificial. No natural você diz: ‘Jesus, vou botar os meios para evitar, não vou ter relação nos dias férteis, mas se for sua vontade que venha um filho para mim, amém’.
ÉPOCA - No método artificial Deus não consegue interferir?
Maria Lúcia - Consegue. Conheço um monte de filho de métodos artificiais.
ÉPOCA - E o divórcio, a senhora é contra?
Maria Lúcia - Sou a favor da fidelidade matrimonial. Nunca vi uma pessoa se separar sem ficar com marcas para sempre.
ÉPOCA - A senhora é a favor de um só casamento. E se houve erro na escolha?
Maria Lúcia - Sou a favor de que não se erre.
ÉPOCA - E o que a senhora acha do sexo consensual, apenas por prazer, fora do casamento?
Maria Lúcia - Deus não criou o sexo com essa finalidade. Deus é o dono da máquina de lavar roupa.
ÉPOCA - Máquina de lavar roupa?
Maria Lúcia - O ser humano. Deus nos criou com manual de instrução."

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Ligações poderosas
"Carlos Alberto Di Franco, 60 anos, é um dos numerários mais influentes e bem relacionados da Opus Dei. Representante no Brasil da Escola de Comunicação da Universidade de Navarra e diretor do Master em Jornalismo, um programa de capacitação de editores que já formou mais de 200 cargos de chefias dos principais jornais do País, é citado no livro Opus Dei - Os Bastidores como o executor da política da Obra para a mídia do Brasil e na América Latina. Nos últimos anos, tem feito periodicamente uma preleção sobre valores cristãos na ala residencial do Palácio dos Bandeirantes a convite do governador Geraldo Alckmin. O encontro, apelidado de `Palestra do Morumbi´, reúne um seleto grupo de empresários e profissionais do Direito, entre eles o vice-presidente da Fiesp, João Guilherme Ometo. Na sede do Master, em São Paulo, em cujos andares superiores funciona o centro da Obra onde vive, Di Franco deu a seguinte entrevista a Época.
ÉPOCA - A partir do final dos anos 80 a Universidade de Navarra, que é da Opus Dei, passou a dar cursos nas redações brasileiras. Como surgiu essa estratégia?
Carlos Alberto Di Franco - Vários professores de lá participaram de um seminário no Rio e chamaram atenção pela sua visão de Jornalismo. Esse foi o início de um trabalho não de universidade, mas de consultoria de alguns profissionais que também são professores em Navarra. Mais recentemente Navarra montou uma empresa de consultoria que atualmente está sendo reestruturada, e eu tenho uma empresa e contrato consultores de Navarra e também daqui.
ÉPOCA - O Master em Jornalismo é uma estratégia da Opus Dei para influenciar a imprensa brasileira e da América latina?
Di Franco - Absolutamente nada a ver. É um trabalho profissional meu. A única coincidência é que Carlos Alberto Di Franco é da Opus Dei. A imprensa tem suficiente discernimento e filtros próprios para se deixar submeter a qualquer coisa deste tipo.
ÉPOCA - O senhor é numerário da Opus Dei, é representante da Escola de Comunicação da Universidade de Navarra, que é da Opus Dei, o Master traz professores de Navarra que também são numerários, mas o senhor afirma que não há nenhuma estratégia da Opus Dei em influenciar a imprensa através de um curso de formação de editores?
Di Franco - Muitos professores de Navarra que vêm não são da Opus Dei. O Master é um programa técnico de capacitação de editores e não de Religião. O Master tem uma identidade cristã? Claro. Quando eu abro o Master, a primeira coisa que eu faço é dizer que o centro conta com serviço de capelania entregue à prelazia da Opus Dei. Isso implica numa série de serviços de atendimento espiritual para quem queira recebê-los. Deixo absolutamente claro o que acontece aqui. O prestígio do Master não depende do número de gotas de água benta, mas de sua qualificação profissional.
ÉPOCA - Quantos professores tem o Master e, destes, quantos são da Opus Dei?
Di Franco - Onze fixos, seis são da Obra.
ÉPOCA - São Escrivá disse que era preciso embrulhar o mundo em papel-jornal...
Di Franco - Qualquer pessoa que pense dois minutos percebe que os meios de comunicação são um poderoso facho para o bem e para o mal. Essa preocupação de evangelização tendo em conta os meios de comunicação social é legítima. Mas você poderá difundir a mensagem cristã não com água benta e nem metendo-se a montar estruturas piegas, mas atuando na sua atividade profissional. Estou convicto de que se o mundo tiver mais cristãos ou gente comprometida com sua fé será um lugar melhor.
ÉPOCA - O senhor publicou um artigo no jornal O Estado de S.Paulo criticando o Código da Vinci, um livro de ficção que mostra o Opus Dei como uma seita capaz de assassinar para alcançar seus objetivos. O senhor assina como jornalista e professor de ética. O senhor não acha que deveria ter informado ao leitor que é um numerário?
Di Franco - Não, porque não acrescenta nada. Na mídia todo mundo sabe.
ÉPOCA - O senhor acredita que todos os leitores do jornal sabem?
Di Franco - Todos os leitores não, mas eu não sei o que ser membro da Opus Dei acrescenta ao meu currículo. O que eu fiz foi uma análise do Dan Brown mostrando a sua desonestidade intelectual que qualquer jornalista poderia fazer, budista ou ateu.
ÉPOCA - Poderia. Mas o senhor não acha que a informação de que quem criticava um livro contra o Opus Dei era alguém da Opus Dei teria sido relevante para o leitor?
Di Franco - Eu fiz uma crítica técnica e não movida por razões religiosas.
ÉPOCA - Como começaram as `palestras do Morumbi´, que acontecem na última quarta-feira do mês, no Palácio, com o governador Geraldo Alckmin e um grupo de empresários e profissionais do Direito?
Di Franco - Não é uma reunião regular, depende das agendas. O governador é cristão, muito católico. Nesta reunião tratamos temas relacionados a práticas ou virtudes cristãs.
ÉPOCA - De quem partiu essa idéia?
Di Franco - Nasceu de uma conversa do governador com um sacerdote da Obra com quem ele tem direção espiritual periódica.
ÉPOCA - O Padre (José) Teixeira, confessor do governador?
Di Franco - Isso, o Padre Teixeira. Aí eu e o governador conversamos sobre a melhor maneira de fazer e sobre quem participaria. O grupo é formado por amigos comuns, todos católicos. Eu sou o palestrante. Uma coisa rápida, meia-hora, um cafezinho. A última foi em agosto ou setembro. Depois teríamos outra, mas eu não pude. Agora ele entrou em campanha. Acredito que no final de janeiro combinaremos a próxima.
ÉPOCA - Essas palestras são pagas?
Di Franco - Não é um trabalho profissional, é uma atividade de formação cristã.
´Qualquer pessoa que pense dois minutos percebe que os meios de comunicação são um poderoso facho para o bem e para o mal´
ÉPOCA - O senhor não acha que a proibição de ir ao cinema, teatro ou estádio de futebol conflitua com seu trabalho de jornalista?
Di Franco - Para mim nunca foi problema. Não é que não pode, a expressão está mal colocada. Não vai ao cinema porque não quer ir ao cinema. Os numerários vivem, voluntariamente, uma série de abstenções em função de sua entrega como numerários.
ÉPOCA - Como o senhor faz com o cilício?
Di Franco - O cilício é uma mortificação corporal ultratradicional na Igreja. Se você falar com qualquer pessoa que viva o cristianismo é a coisa mais corriqueira e comum.
ÉPOCA - O senhor usa, duas horas por dia?
Di Franco - Sim, como qualquer numerário.
ÉPOCA - Quando o senhor está com o cilício se concentra no sofrimento de Cristo?
Di Franco - Essa pequena mortificação você oferece por várias intenções. A partir de hoje vou oferecer para você.
ÉPOCA - Não é necessário.
Di Franco - Como colega. O incômodo se oferece.
ÉPOCA - É muito difícil o celibato?
Di Franco - Qualquer pessoa tem desejo, é normal. Eu sinto atração pelas mulheres, claro que sinto, sobretudo pelas bonitas.
ÉPOCA - O senhor é virgem?
Di Franco - Você está entrando em território perigoso. Mas sou, se quer saber sou."

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A vida íntima da Opus Dei

Cilício, instrumento de autoflagelação para ser usado na coxa

"Os numerários têm de usar o cilício duas horas por dia, no alto da coxa . A mortificação evoca o sofrimento de Cristo na cruz. Disse o fundador da Obra: ‘Trata o teu corpo com caridade, mas não com mais caridade que a que se tem com um inimigo traidor’
Quando era da Opus Dei, Antonio Carlos Brolezzi foi obrigado a usar um macacão antimasturbação. O equipamento se destinava a combater a ‘doença’ que seu confessor diagnosticou como ‘erotismo mental’. Tratava-se de uma calça jeans e uma camisa de flanela costuradas uma na outra e vestidas de trás para a frente com o objetivo de impedir o jovem de 20 anos de alcançar a parte mais íntima de sua anatomia. Brolezzi, hoje um bem casado professor do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo, tem se dedicado a narrar em tom confessional as lembranças sexuais de uma década dentro da poderosa prelazia do papa.
Pela primeira vez no Brasil, dissidentes retiram o manto de silêncio que envolve a ‘Obra de Deus’ (em latim, Opus Dei)e dedicam-se hoje a exibi-la em praça pública - alguns deles com uma sanha digna daquelas ex-mulheres que, na recente crônica política do país, enlamearam a imagem de figurões da República. Nada podia ser pior para uma instituição que usa a discrição como estratégia. A vida íntima da Opus Dei está sendo devassada. Dividido em duas partes - ‘Memórias sexuais de um Numerário’ e ‘Manual do Ex-Numerário Virgem’ -, o livro de Brolezzi deverá ser o próximo míssil editorial lançado contra a ultraconservadora organização católica.
Os ‘numerários’ a que se refere o livro são a espinha dorsal da Obra: os leigos celibatários que vivem nos centros da instituição e cumprem um ritual diário de rezas e mortificações. Já os supernumerários podem casar, ter filhos e patrimônio próprio. Na Espanha, onde o movimento foi fundado em 1928, já existe uma espinhosa bibliografia com relatos de ex-membros. No Brasil, porém, onde o Opus Dei só aportou no fim dos anos 50, a organização havia conseguido manter seus adeptos e suas práticas em segredo, obediente ao figurino pregado pelo fundador, Josemaría Escrivá de Balaguer (1902-1975). Em Caminho, o guia da Opus Dei, Escrivá enfatiza: ‘O desprezo e a perseguição são benditas provas de predileção divina, mas não há prova e sinal de predileção mais belo do que este: passar oculto’. Agora esse ideal tornou-se inalcançável também no maior país católico do mundo.
A declaração de guerra, no fim de outubro, foi o lançamento do livro Opus Dei - Os Bastidores (Verus Editora), escrito por três dissidentes da Obra. Um deles, Jean Lauand, professor da Faculdade de Educação da USP, havia vivido 35 anos como numerário. Lauand era uma das figuras mais populares da ordem até abandoná-la, há dois anos. Conhece como poucos sua atuação no Brasil. Ao deixá-la, tornou-se uma pedra no meio do caminho da obra de Escrivá.
O segundo ataque foi lançado pela mãe de um numerário, Elizabeth Silberstein. Usando o apelo de uma mãe em luta para resgatar o filho das ‘garras da seita’, ela escreveu e lançou em dezembro o livro Opus Dei - A Falsa Obra de Deus - Alerta às Famílias Católicas. A publicação, bancada por ela, copia a estrutura de um manual para pais que tiveram seus filhos seqüestrados pelas drogas. Ao Opus Dei é reservado o papel de traficante. O quinto capítulo, por exemplo, é intitulado ‘Alerta: meu filho foi captado por eles! O que posso fazer?’.
As denúncias poderiam ser apenas uma daquelas constrangedoras brigas de família se o Opus Dei não fosse a única prelazia pessoal do papa - e a Igreja Católica a mais poderosa instituição religiosa do Ocidente. Desde o lançamento em 2003 do best-seller de Dan Brown O Código Da Vinci (mais de 40 milhões de exemplares vendidos), a Obra vive sob incômodos holofotes. No enredo, a organização é capaz de cometer assassinatos para impedir a revelação de verdades indesejáveis sobre Jesus. O fato de ser uma história de ficção não impediu arranhões profundos na imagem da Opus Dei. Para piorar, o filme baseado no livro estreará em maio, com Tom Hanks no papel principal e vocação de blockbuster. O momento, portanto, é propício para os membros da prelazia evocarem o ensinamento do fundador: ‘Não pretendas que te compreendam. Essa incompreensão é providencial: para que o teu sacrifício passe despercebido’.
No Brasil, a reação dos dissidentes organizou-se a partir da criação de um site na internet, o www.opuslivre.org - quartel-general virtual em que ex-adeptos trocam confidências e dicas de ‘sobrevivência’. Antonio Carlos Brolezzi conta que quando recebeu o primeiro e-mail do site teve uma tremedeira. ‘Tive pesadelos e disse que não queria mais receber aquele tipo de correspondência’, conta. ‘Responderam-me que tudo bem, mas que havia chegado a hora de botar a boca no trombone e exorcizar os fantasmas. Antes, quem saía da Obra ficava isolado. Com a internet as pessoas passaram a conversar. Parei de tremer e decidi escrever o livro.’
Numerários influentes, como o jornalista Carlos Alberto Di Franco, enfrentam o fenômeno com o estoicismo pregado por Escrivá. ‘A campanha difamatória é dolorosa, mas ao mesmo tempo será boa para a Obra no Brasil porque é o sinal da cruz de Cristo’, afirma Di Franco. ‘A contradição, a calúnia e a difamação sempre tiveram um papel na história da Igreja. Não há cristianismo sem cruz.’
Dom Geraldo Majella Agnelo, presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, disse a ÉPOCA que, se algum membro da prelazia procurar a CNBB com denúncias de violação de direitos humanos, ele encaminhará o assunto à Santa Sé. ‘Como instituição, o Opus Dei foi aprovado. Mas, se há erros, aí é diferente. Eles devem ser apontados e comprovados para ser julgados por autoridades competentes.’ O escritório de informação da Opus Dei no Brasil, em resposta por escrito, afirma que a Obra já havia passado pela experiência de ser criticada por ex-membros em outros países. ‘Ainda que a imensa maioria dos que se aproximam das atividades apostólicas e formativas da Opus Dei conserve sempre um enorme carinho e agradecimento, não é de estranhar que ocorram algumas exceções’, diz João Gustavo Racca, do escritório brasileiro.
Erra quem vê o Opus Dei como um entre tantos movimentos católicos conservadores, como Arautos do Evangelho, TFP e Focolare. Desde que João Paulo II a ungiu com o status de prelazia pessoal, em 1982, a Obra tornou-se oficialmente corpo e sangue da Igreja. Prevista pelo Concílio Vaticano II (1962-1965) e incorporada pelo Código de Direito Canônico, essa nova figura jurídica garantiu ao Opus Dei um duplo privilégio. Por um lado, espalha-se pelo mundo sob o escudo da tradição milenar da Igreja de Roma. Por outro, é independente dos bispos e dioceses. A Obra só obedece ao prelado, cargo vitalício hoje ocupado por dom Javier Echevarría. E ele só presta contas ao papa.
Dentro do Vaticano, o Opus Dei incomoda os cardeais mais progressistas, que assistiram alarmados às demonstrações de entusiasmo de João Paulo II. A canonização do fundador da Obra aconteceu em tempo recorde para os padrões da Igreja, apenas 27 anos após sua morte. Bem diferente, por exemplo, do caso de José de Anchieta, cuja patente de santo é uma causa antiga dos brasileiros: o jesuíta morreu em 1597, mas só se tornou beato em 1980 e não há estimativa de quando possa virar santo. Antes da canonização, Escrivá era uma figura controversa. Jesuítas espanhóis o acusavam de criar uma ‘maçonaria dentro da igreja’ e até de promover ‘uma nova heresia’.
Bento XVI é mais sóbrio na exposição de seus afetos que seu antecessor, mas a obediência dos membros da Opus faz da instituição um aliado valioso em um mundo onde a maioria dos fiéis prefere escolher as próprias opiniões. ‘Obedecei, como nas mãos do artista obedece um instrumento - que não se detém a considerar por que faz isto ou aquilo - certo de que nunca vos mandarão coisa que não seja boa e para toda a Glória de Deus’, aconselha Escrivá.
Em Opus Dei - Um Olhar Objetivo para Além dos Mitos e da Realidade da Mais Controversa Força da Igreja Católica, o jornalista especializado em Vaticano John Allen Jr. compara a Obra a uma Guiness Extra Stout. Como a tradicional cerveja irlandesa, em um mercado repleto de produtos diet, light e até sem álcool, o Opus Dei é um reduto de tradição em meio a um catolicismo que, desde o Concílio Vaticano II, tomou vários atalhos em sua vivência cotidiana. Seu livro, lançado no fim de 2005, ainda sem tradução no Brasil, é o representante mais recente de uma ampla bibliografia destinada a produzir um retrato da Opus Dei isento de paixões. Como a cerveja preta e extra-forte, a organização sempre terá, segundo o autor, um número fiel de seguidores para os quais representa uma âncora irremovível num mundo movediço.
Quem pertence ao Opus Dei não tem dúvidas nem relativismos numa sociedade povoada por ambos: pensa com a Igreja e vive como o papa manda. ‘A Igreja Católica não é uma democracia’, diz a numerária Maria Lúcia Alckmin. Para membros da Obra, parte significativa dos católicos não passa de ‘católicos de censo’ - que servem para expandir as estatísticas, mas seguem apenas as crenças pessoais. Em Caminho, Escrivá demonstra desprezo com relação a essa humanidade supostamente sem ideal: ‘Que conversas! Que baixeza e que... nojo! - e tens de conviver com eles, no escritório, na universidade, no consultório... no mundo’.
Estima-se que a Obra tenha milhões de cooperadores de doutrinas variadas e um patrimônio de US$ 2,8 bi
Com apenas 85 mil seguidores - 1.700 no Brasil -, o Opus Dei é irrelevante do ponto de vista quantitativo. Mas seus admiradores são estimados na casa dos milhões. Em 1950, num lance ousado, Escrivá conseguiu inédita autorização do Vaticano para aceitar cooperadores (leia-se financiadores) não-católicos e não-cristãos. Assim, a Obra tem apoiadores espalhados pelo mundo das mais variadas doutrinas - inclusive aqueles que nem sequer acreditam na existência de Deus. Além de aumentar o poder de penetração do movimento nas diversas instâncias da sociedade, os cooperadores representam uma boa fonte de recursos. O vaticanista Allen estima o patrimônio da organização em US$ 2,8 bilhões - pouco se comparado ao da Igreja nos Estados Unidos (US$ 102 bilhões), muito se o parâmetro for a quantidade de membros. Cada numerário é obrigado a deixar salário e patrimônio para o Opus Dei. ‘Quando completei cinco anos na Obra, tive de lavrar um testamento deixando minha herança para a instituição’, conta o ex-numerário David Fernandes, engenheiro do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). ‘Quando saí, não me devolveram nada, mas acredito que não tentem me tomar as coisas. Se a Obra é tão boa, por que não há uma plaquinha na frente de cada centro dizendo o que são?’
A grande força da Opus Dei é sua proposta de ‘santificação no meio do mundo’. Escrivá construiu a biografia para tornar-se ‘o santo do cotidiano’: ‘elevar o mundo a Deus e transformá-lo a partir de dentro’. Em lugar de padres e freiras confinados em conventos ou dioceses, o exército de leigos da Obra vive em centros e cumpre o celibato, mas atua em postos estratégicos na sociedade como peças de uma engrenagem. Como diz Escrivá: ‘Que preocupação há no mundo por mudar de lugar! Que aconteceria se cada osso, se cada músculo do corpo humano quisesse ocupar um posto diferente do que lhe compete? Não é outra a razão do mal-estar no mundo. Persevera no teu lugar, meu filho; daí, quanto poderás trabalhar pelo reinado efetivo do Senhor’.
A Obra tem 85 mil membros no mundo. Destes, 83 mil são leigos e 55% mulheres
O numerário começa por obedecer ao ‘plano de vida espiritual’ com uma lista de obrigações diárias: duas orações mentais de meia hora, cinco minutos de leitura do Evangelho e dez de leitura espiritual, reza do terço, missa, comunhão seguida por dez minutos de ação de graças, meditação dos mistérios do rosário, reza das preces da Obra, exames de consciência particular e geral, reza de três ave-marias com os braços em cruz pedindo a castidade antes de dormir, aspersão de água-benta na cama para afastar as tentações do demônio. Uma vez por semana encontra-se com o diretor espiritual para uma ‘conversa fraterna’. Nela, nada pode ser escondido. A etiqueta manda iniciar pelas revelações mais vergonhosas, obedecendo ao princípio da ‘sinceridade selvagem’. ‘Além de tudo isso, eu ainda ensinava na universidade. Voltava tarde e tinha de preparar aulas. Comecei a apresentar sintomas psicológicos estranhos, entrava em pânico’, conta um engenheiro que deixou a Obra em novembro, depois de 24 anos. ‘Pensei que acabaria morrendo se continuasse ali. Apavorado, fiz minhas malas e fui para um hotel.’
A liberdade religiosa, o direito de fazer o que bem entende com seu corpo e a livre manifestação são valores indiscutíveis. Quem pertence ao Opus Dei acredita que beijar o chão ao acordar e bradar ‘Serviam’ (‘Eu servirei’, em latim), cumprir rotina rígida e obedecer sem duvidar são um conforto e uma fonte de felicidade. Para os dissidentes, é lavagem cerebral - uma estratégia que usa a fé e a Igreja Católica para controlar e influenciar o mundo. São Escrivá teve o cuidado de reservar um ensinamento para esse impasse: ‘Isso - o teu ideal, a tua vocação - é... uma loucura. E os outros - os teus amigos, os teus irmãos - uns loucos... Não tens ouvido, por vezes, esse grito bem dentro de ti? Responde, com decisão, que agradeces a Deus a honra de pertencer ao ‘manicômio’."

Verdades e mentiras de Suzane von Richthofen


Repudiada pela família, sem dinheiro, com medo de sair às ruas e manipulada pelos advogados, a jovem que participou do assassinato dos pais está mais perdida do que nunca

Especial Revista Veja - Juliana Linhares

A dois meses de seu julgamento, Suzane Louise von Richthofen vem a público pela primeira vez falar sobre o crime que cometeu: o assassinato de seus pais. Mais gorda, com os cabelos curtos e uma franja cobrindo parte dos olhos, ela recebeu a reportagem de VEJA com os cabelos desalinhados, calçada em pantufas e vestindo uma camiseta cor-de-rosa com estampa da personagem Minnie. Desde que deixou a prisão, Suzane, hoje com 22 anos, vive em um apartamento no bairro do Morumbi, em São Paulo, hospedada por um casal de amigos de seus pais a quem chama de "pai" e "mãe". Agarrada à mulher o tempo todo, comporta-se como se fosse uma criança pequena. Fala baixo e com voz infantil. Ao responder às perguntas, escondia o rosto atrás dos cabelos, mirava o chão e lançava olhadelas indagativas para seus advogados. Claramente foi instruída por eles para fazer o tipo frágil e desassistida. No esforço de evitar o que mais teme, a volta para a cadeia, onde ficou por mais de dois anos, Suzane tenta convencer seus interlocutores de que é uma menina perturbada – e que foi essa condição que a fez, em 2002, abrir a porta de casa para que o então namorado, Daniel Cravinhos, acompanhado do irmão, Cristian, entrasse no quarto de seus pais e os assassinasse a golpes de barras de ferro.
Será preciso convencer o júri de que Suzane não é a mesma pessoa que em 2002 foi descrita pelo delegado Domingos de Paulo Neto, que dirigia o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa de São Paulo quando do duplo assassinato: "Ela é fria, calculista e impetuosa". O que mudou? Certamente a temporada na cadeia, o isolamento dos amigos, o repúdio dos familiares e um eventual remorso tiveram efeito suavizante sobre a personalidade da jovem recém-saída da adolescência. Com toda a certeza, porém, ela pode estar usando as características descritas pelo delegado em 2002 para criar, sob a orientação dos advogados, uma persona vitimizada, carente e merecedora de pena. Não se pode prejulgar. Um júri será convocado com a específica finalidade de decidir o destino de Suzane.

O engenheiro Manfred Albert von Richthofen e a psiquiatra Marísia von Richthofen foram mortos na cama em que dormiam no dia 31 de outubro de 2002. Oito dias mais tarde, Suzane, Daniel e Cristian Cravinhos foram presos e confessaram o crime. Ao contrário de Suzane, os irmãos permanecem na cadeia. O julgamento dos três está previsto para junho. Todos responderão por duplo homicídio triplamente qualificado, o que, neste caso, significa: motivo torpe, meio cruel e impossibilidade de defesa da vítima. Daniel e Suzane ainda responderão por fraude processual e Cristian por todos esses crimes mais o de furto. Na ocasião do assassinato, Suzane cursava o 1º ano de direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Desde então, abandonou os estudos, o cabelo longo e boa parte da vaidade. Deixou de praticar esportes e trocou as blusas justas e curtas que gostava de usar por camisetas largas e compridas. Passa o dia trancada em casa. Pela manhã, ajuda a arrumar as camas e preparar o almoço. À tarde, assiste a TV – desenhos animados são seus programas preferidos – e brinca com os seis pássaros que a família que a hospeda cria soltos no apartamento. Vê novela, lava a louça do jantar e vai dormir. Por receio de que vizinhos protestem contra a sua presença no prédio – o que já chegou a acontecer há algum tempo –, seus protetores, que pedem que não sejam identificados, tratam o assunto quase que como um segredo. Nenhum dos membros da família a chama nem mesmo pelo apelido: "Su" virou "Rê". Nas poucas vezes em que deixa o apartamento, Suzane usa as escadas, em vez do elevador. O temor de ser "descoberta" é tanto que ela afirma não sair nem à janela. "Tenho medo de que eles queiram que eu vá embora daqui", diz.
Suzane não tem mais contato com suas amigas do colégio alemão Humboldt, onde estudou da 1ª série até o fim do ensino médio. Hoje, sua melhor amiga é uma advogada treze anos mais velha, Luzia Helena Sanches. A relação começou quando Luzia viu Suzane na TV e sentiu "que precisava conhecê-la". Trocaram cartas e hoje se falam todos os dias, por telefone, já que a advogada mora em uma cidade no interior de São Paulo. Luzia e Suzane se chamam uma à outra pelo mesmo apelido: "Gordão". Suzane diz que Luzia é a irmã que ela não teve. Quanto ao irmão de verdade, Andreas von Richthofen, hoje com 19 anos, a relação é tensa. Desde que os pais foram mortos, Andreas passou a morar com um tio, irmão de sua mãe. Ele chegou a visitar Suzane na cadeia algumas vezes, mas hoje os dois não se vêem mais. Eventualmente, falam-se por telefone, mas a conversa sempre termina em briga. Suzane é vaga quando fala sobre os motivos de seus desentendimentos com Andreas. "Acho que ele tem raiva", disse a VEJA. Já uma pessoa próxima a ela diz que a razão dos conflitos é a herança dos pais. Andreas estaria pressionando Suzane para que ela desista de brigar por sua parte no patrimônio dos Richthofen. O artigo 1814 do Código Civil Brasileiro prevê que filhos que matam seus pais perdem o direito à herança. A deserdação, porém, não é automática. É preciso que haja uma ação judicial pedindo a exclusão do herdeiro. A família de Marísia, com quem Andreas vive, já deu início ao processo. Suzane, por meio de seus advogados, pretende brigar para manter o direito à herança.
Foi por conta de um hobby do irmão, o aeromodelismo, que Suzane conheceu Daniel Cravinhos, em 1999. A família Richthofen estava no Parque do Ibirapuera, um dos cartões-postais de São Paulo, olhando Andreas brincar com seu avião, quando Daniel, também adepto da prática, começou a puxar conversa. Quando o namorico engatou, Manfred e Marísia não se importaram – acharam que era coisa passageira. Com o tempo, o namoro ficou sério e Daniel passou a freqüentar não só a casa da família, como o sítio do casal, no interior de São Paulo. Apesar das diferenças sociais – Daniel é filho de um escrivão aposentado e morava em um sobrado em um bairro de classe média baixa, nas proximidades do Aeroporto de Congonhas –, o namoro foi aceito pela família por quase três anos. Em seu depoimento à polícia, Suzane disse que o rapaz passou a ser uma "obsessão" em sua vida. "Queria estar sempre com ele, o tempo todo, o dia inteiro." Suzane enchia o namorado de presentes. Entre outras coisas, presenteou-o com um aparelho de som e um par de óculos de marca famosa no valor de mais de 1.000 reais. A família do namorado, de quem ela se tornou muito próxima, também mereceu agrados. Segundo um dos advogados de Suzane, a jovem trocou o piso da casa dos pais do namorado e comprou para eles uma TV e um aparelho de DVD. Tudo com dinheiro da sua mesada e escondido dos pais. Além disso, também teria pago algumas prestações de um carro Corsa para o namorado. Com Daniel, Suzane também conheceu as drogas. Os dois fumavam maconha quase todos os dias e experimentaram ainda ecstasy, éter e cola. Em meados de maio de 2002, o casal Richthofen decidiu proibir o namoro.
Na madrugada do dia 31 de outubro, Daniel e o irmão Cristian aguardaram que Suzane confirmasse que seus pais estavam dormindo e entraram com ela na casa dos Richthofen. Suzane guiou-os pela sala, subiu as escadas na frente e ficou aguardando que entrassem no quarto. Assim que entraram, ela acionou o interruptor de luz para facilitar a locomoção dos assassinos. Nesse ponto, afirma, desceu para a biblioteca. Manfred e Marísia dormiam. O primeiro a atacar foi Daniel, que golpeou Manfred na cabeça com uma barra de ferro. Em seguida, Cristian, com uma barra idêntica nas mãos, atingiu Marísia. Manfred desmaiou logo. Marísia, não. Ao ser atacada, acordou e tentou proteger-se com as mãos. Alguns de seus dedos foram quebrados com a violência das pancadas. Recebeu golpes na cabeça e no rosto. A certa altura, já agonizante, passou a emitir um som "parecido com um ronco", segundo relatou Cristian à polícia. Na tentativa de silenciá-la, o jovem pegou uma toalha do casal no banheiro e empurrou-a pela garganta da psiquiatra. Um dos ossos do pescoço de Marísia foi quebrado. Depois de constatarem que suas vítimas estavam mortas, Daniel colocou uma arma pertencente a Manfred, perto de seu braço, ao lado da cama. Depois, cobriu o rosto de Manfred com uma toalha. O de Marísia foi envolvido em uma sacola plástica de lixo, que havia sido deixada por Suzane na escada para que os irmãos depositassem as barras de ferro e suas roupas manchadas de sangue.
A moça disse à polícia que, enquanto os pais eram mortos, ela permaneceu no andar de baixo da casa, caminhando entre a sala e a biblioteca. Suzane afirma que, na maior parte do tempo, chorou, com os ouvidos tampados com as mãos. Teve, no entanto, suficiente sangue-frio para espalhar documentos e contas a pagar pelo chão da biblioteca, também ajudou os irmãos a arrombar, com uma faca, a maleta em que o pai escondia dinheiro e a colocar 8 000 reais e 5 000 dólares na mochila de Cristian. Embora soubesse o segredo da pasta, Suzane deduziu que o arrombamento daria mais veracidade à farsa. Depois do crime, Suzane e Daniel deixaram Cristian perto da casa dele e foram para um motel. No primeiro depoimento que prestaram à polícia, logo após o crime, os dois afirmaram ter mantido relações sexuais naquela noite. Mais tarde, mudaram a versão. Do motel, pegaram o irmão Andreas, que havia sido deixado por eles num cibercafé próximo à casa dos pais. Suzane entrou em casa junto com o irmão. Depois de simular surpresa diante dos indícios do "assalto", cumpriu o roteiro combinado com o namorado: na frente de Andreas, que nada sabia, ligou para Daniel pedindo ajuda e obedeceu a seu conselho de chamar a polícia.
O parricídio e o matricídio são crimes repudiados com horror por todas as épocas, etnias e sociedades. Na Roma Antiga, os homicídios eram punidos de diferentes maneiras, dependendo de sua gravidade. Nessa escala, o assassinato do pai pelo filho merecia a mais espetacular das punições. A Lei Pompéia sobre os Parricídios, criada em 55 a.C., dizia que aquele que matar seu ascendente não deverá ser submetido "nem à espada, nem ao fogo, nem a nenhuma outra pena solene". Deverá, no lugar disso, ser "encerrado em um saco de couro, juntamente com um cão feroz, um galo, uma víbora e uma macaca, e, nessas fúnebres estruturas, ser arrojado ao mar vizinho ou ao rio, para que em vida lhe cheguem a faltar todos os elementos, e, enquanto viva, seja privado da luz do céu, e, uma vez morto, da terra".
A peça Édipo Rei, escrita por Sófocles, tornou-se a mais famosa tragédia grega justamente por tratar desse crime tremendo que é o parricídio. A obra inspirou o pai da psicanálise, o austríaco Sigmund Freud, a tomar o nome de Édipo emprestado para designar o complexo que está na base do psiquismo e das neuroses: o desejo recôndito do menino pequeno de matar o pai, visto como rival amoroso em sua relação com a mãe, assim como o da menina pequena de eliminar a mãe. Eis por que o parricídio e o matricídio assombram tanto por serem crimes que, ao atentar contra um dos pilares da civilização, a família, ecoam uma essência humana atávica e incancelável. Quando ganham materialidade por decisão de uma menina que poderia ser a filha de qualquer um de nós, como Suzane, o horror aumenta. Tende-se, inclusive, a buscar uma explicação razoável para a atrocidade – algo que distancie a tragédia de nossas vidas, que nos dê a certeza de que só poderia acontecer com "eles". Foi assim no caso de Suzane. Chegou-se a dizer, por exemplo, que seu pai a espancava e abusava sexualmente dela – duas mentiras, conforme se provou. Suzane nunca foi uma vítima de sua família. Seus pais a amaram, contaram-lhe histórias quando era pequena e orgulharam-se de cada vitória que conquistou. Ela estudou em bons colégios, praticou esportes, aprendeu três línguas. Teve carinho, foi mimada e bem educada. O que não funcionou na educação dela, então? Impossível saber ao certo. Nesses casos, fala mais alto a espessa zona de mistério que envolve o cérebro adolescente, uma sopa fervente de hormônios, sensações, ansiedade, dúvidas e desejos. Os dois adolescentes americanos Eric Harris e Dylan Klebold não eram muito diferentes dos outros – até que, em 1999, mataram a tiros colegas e professores na escola, o que ficou conhecido como Massacre de Columbine. Por que isso ocorreu? Nunca se saberá ao certo.
O julgamento de Suzane e dos irmãos Cravinhos está previsto para o mesmo dia, 5 de junho. Os advogados Mário de Oliveira Filho e Mário Sérgio de Oliveira, contratados e pagos pela família que hospeda Suzane, ainda trabalham para que as sessões ocorram em dias diferentes. A justificativa é que a defesa dela e a dos Cravinhos são conflitantes: os irmãos afirmam que partiu de Suzane a idéia de cometer o crime. Ela culpa os Cravinhos. Além disso, os advogados de Suzane defendem a idéia de que o júri terá de usar critérios diferentes para julgar sua cliente e os outros assassinos. "Suzane não participou efetivamente das mortes", diz Oliveira. Se o esforço dos advogados der certo, o julgamento de Suzane deve acontecer apenas em julho. Seus advogados tentarão convencer os jurados de que Suzane foi levada pelo namorado a cometer os crimes. "Ela estava plenamente adequada à vida familiar, até que conheceu os Cravinhos, que já tinham histórico de banditismo e de uso de entorpecentes. Foi nesse momento que ela saiu de seu caminho", diz Oliveira Filho.
Suzane, que esteve presa entre novembro de 2002 e junho de 2005, tem pavor de voltar à cadeia. Até 2004, ela permaneceu na Penitenciária Feminina da Capital, no Carandiru, em São Paulo, onde era constantemente ameaçada pelas presas, já que crimes como o que ela cometeu são considerados abjetos mesmo por bandidos. Ela teve de ser transferida para uma penitenciária em São Carlos, no interior de São Paulo, depois que, numa rebelião, um grupo de presas tentou matá-la. Antes da entrevista a VEJA, os advogados de Suzane avisaram que ela não falaria sobre sua estada na prisão – o trauma teria sido muito grande. Em nenhum momento, no entanto, a reportagem foi solicitada a não falar com a jovem sobre o assassinato de seus pais. Nas diversas oportunidades em que o tema foi abordado, Suzane, acompanhada de advogados, esforçou-se para chorar. Não conseguiu em nenhuma das vezes. Na quinta-feira passada, diante de uma repórter da Rede Globo, chegou a simular um desmaio ao ser perguntada sobre o crime. É natural que advogados instruam seus clientes, inclusive a respeito da imagem que devem apresentar em público. E é também natural que, às vésperas do julgamento que vai decidir sua vida, Suzane concorde em obedecer às orientações de sua defesa. O que há de mentira e de verdade em suas ações e afirmações, no entanto, é algo que, talvez, nunca se saberá. Como também ficará no ar a dúvida a respeito da sinceridade da frase com que ela se despediu da reportagem: "Olha, eu amo muito os meus pais". Foi uma das poucas vezes em que Suzane olhou nos olhos da repórter.

O sexo faz muito mal


Um cientista explica como a reprodução sexual tornou a morte uma necessidade biológica

Revista Veja-Edição 1951 . 12 de abril de 2006
Jerônimo Teixeira

No livro Sexo e as Origens da Morte (tradução de Ryta Vinagre; Record; 208 páginas; 35,90 reais), William R. Clark pretende explicar por que, afinal, as pessoas morrem. Dito desse modo, soa como uma empreitada impossível. E o mais surpreendente é que Clark, um professor de imunologia e biologia molecular da Universidade da Califórnia, dá plena conta do recado – dentro dos limites rigorosos do seu campo científico. Não, ele não considera as implicações metafísicas ou religiosas do tema, e nem tem nenhum consolo definitivo a oferecer ao leitor angustiado com a própria mortalidade. Mas seu livro apresenta um relato fascinante e claro das razões naturais da morte. As duas conclusões centrais: somos biologicamente programados para morrer. E somos programados para morrer porque fazemos sexo.
Não, isso não quer dizer que os celibatários conquistarão a vida eterna. Clark explica por que a reprodução sexual trouxe a necessidade evolutiva da morte. Os seres unicelulares – vale dizer, não sexuados – que povoaram os mares primitivos da Terra não eram, digamos, "obrigados" a morrer. Morriam apenas por razões acidentais, como mudanças nas condições ambientais ou falta de alimento. Os parentes mais próximos desses seres primevos que sobrevivem ainda hoje são as bactérias – e elas são virtualmente imortais. Conservadas em um bom meio de cultura em laboratório, elas se reproduzem inúmeras vezes. Nunca envelhecem. Células humanas saudáveis cultivadas em laboratório não apresentam a mesma vitalidade. Reproduzem-se vinte ou trinta vezes. Depois param. E morrem.
Por que a diferença? A bactéria é sua própria célula reprodutiva. Ela não precisa de sexo para passar seu DNA às próximas gerações: basta realizar uma divisão celular para produzir outra bactéria, exatamente idêntica a ela. Seres pluricelulares que se reproduzem por meio do sexo, como o homem (e a mulher, bem entendido), são um tanto mais complicados. Seus corpos são constituídos de trilhões de células, com especializações distintas, que compõem diferentes tecidos e órgãos. Do ponto de vista biológico, porém, toda essa complicada maquinaria é acessória. Está a serviço de umas poucas células especiais, chamadas germinativas – os óvulos e espermatozóides, que, conjugados, produzem uma nova vida, garantindo que o DNA seja transmitido adiante. Passada a idade reprodutiva, a manutenção do corpo torna-se cara. As células reprodutivas já tiveram a chance de cumprir sua missão, portanto não há mais sentido em conservar as demais células, que deixam de se renovar. As células velhas acabam morrendo, em um processo chamado apoptose – uma morte programada, verdadeiro suicídio celular. Aos poucos, o corpo como um todo vai envelhecendo. E também morre.
Clark nada mais fez do que uma aplicação especializada das teses que o zoólogo britânico Richard Dawkins desenvolveu no clássico O Gene Egoísta, livro em que os seres vivos – o homem inclusive – são apresentados como máquinas de replicação genética, "robôs" a serviço do próprio DNA. É uma maneira desencantada de encarar a vida (e a morte). Mas é também realista. Estranhamente, das descrições clínicas que Clark faz da morte em todos os seus níveis – de uma célula, de um órgão, de um homem –, é possível até extrair alguma serenidade.
Várias tradições religiosas falam de uma época ancestral, anterior ao pecado, em que o homem não conhecia a morte. Clark demonstra que, na verdade, só as bactérias conhecem esse paraíso.

14 março 2006

PSDB anuncia Alckmin como candidato do partido


O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, foi o indicado do PSDB para concorrer à Presidência da República nas eleições de outubro. A decisão foi anunciada nesta terça-feira pelo presidente nacional do partido, Tasso Jereissati, após reunião da cúpula partidária com governadores no Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo.
Redação Terra