
Um cientista explica como a reprodução sexual tornou a morte uma necessidade biológica
Revista Veja-Edição 1951 . 12 de abril de 2006
Jerônimo Teixeira
No livro Sexo e as Origens da Morte (tradução de Ryta Vinagre; Record; 208 páginas; 35,90 reais), William R. Clark pretende explicar por que, afinal, as pessoas morrem. Dito desse modo, soa como uma empreitada impossível. E o mais surpreendente é que Clark, um professor de imunologia e biologia molecular da Universidade da Califórnia, dá plena conta do recado – dentro dos limites rigorosos do seu campo científico. Não, ele não considera as implicações metafísicas ou religiosas do tema, e nem tem nenhum consolo definitivo a oferecer ao leitor angustiado com a própria mortalidade. Mas seu livro apresenta um relato fascinante e claro das razões naturais da morte. As duas conclusões centrais: somos biologicamente programados para morrer. E somos programados para morrer porque fazemos sexo.
Não, isso não quer dizer que os celibatários conquistarão a vida eterna. Clark explica por que a reprodução sexual trouxe a necessidade evolutiva da morte. Os seres unicelulares – vale dizer, não sexuados – que povoaram os mares primitivos da Terra não eram, digamos, "obrigados" a morrer. Morriam apenas por razões acidentais, como mudanças nas condições ambientais ou falta de alimento. Os parentes mais próximos desses seres primevos que sobrevivem ainda hoje são as bactérias – e elas são virtualmente imortais. Conservadas em um bom meio de cultura em laboratório, elas se reproduzem inúmeras vezes. Nunca envelhecem. Células humanas saudáveis cultivadas em laboratório não apresentam a mesma vitalidade. Reproduzem-se vinte ou trinta vezes. Depois param. E morrem.
Por que a diferença? A bactéria é sua própria célula reprodutiva. Ela não precisa de sexo para passar seu DNA às próximas gerações: basta realizar uma divisão celular para produzir outra bactéria, exatamente idêntica a ela. Seres pluricelulares que se reproduzem por meio do sexo, como o homem (e a mulher, bem entendido), são um tanto mais complicados. Seus corpos são constituídos de trilhões de células, com especializações distintas, que compõem diferentes tecidos e órgãos. Do ponto de vista biológico, porém, toda essa complicada maquinaria é acessória. Está a serviço de umas poucas células especiais, chamadas germinativas – os óvulos e espermatozóides, que, conjugados, produzem uma nova vida, garantindo que o DNA seja transmitido adiante. Passada a idade reprodutiva, a manutenção do corpo torna-se cara. As células reprodutivas já tiveram a chance de cumprir sua missão, portanto não há mais sentido em conservar as demais células, que deixam de se renovar. As células velhas acabam morrendo, em um processo chamado apoptose – uma morte programada, verdadeiro suicídio celular. Aos poucos, o corpo como um todo vai envelhecendo. E também morre.
Clark nada mais fez do que uma aplicação especializada das teses que o zoólogo britânico Richard Dawkins desenvolveu no clássico O Gene Egoísta, livro em que os seres vivos – o homem inclusive – são apresentados como máquinas de replicação genética, "robôs" a serviço do próprio DNA. É uma maneira desencantada de encarar a vida (e a morte). Mas é também realista. Estranhamente, das descrições clínicas que Clark faz da morte em todos os seus níveis – de uma célula, de um órgão, de um homem –, é possível até extrair alguma serenidade.
Várias tradições religiosas falam de uma época ancestral, anterior ao pecado, em que o homem não conhecia a morte. Clark demonstra que, na verdade, só as bactérias conhecem esse paraíso.
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